Comunicação e Democracia

AS FINANÇAS DO NARCOTRÁFICO
Republico matéria do blog do Zé, 20/04/2010

Martín Granovsky

Os jornalistas gostam de discutir um tema: é possível entrevistar qualquer pessoa? E se for um foragido da justiça? E se for um assassino? O mexicano Julio Scherer García costuma participar dessa polêmica com a seguinte frase: “se o diabo me oferece uma entrevista, vou até o inferno”.

Tendo acabado de completar 84 anos, Scherer é uma das lendas do México. Mas uma lenda viva: aceitou uma entrevista com o traficante Ismael Zambada García, “El Mayo”, chefe do Cartel de Sinaloa. E depois escreveu a reportagem. A capa do semanário Proceso mostra-os juntos para testemunhar que foi verdadeiro o encontro. Scherer perguntou a Zambada como ele tinha começado sua vida de traficante. Zambada respondeu: “começando”. “Começando?”, tornou Scherer. “Começando”, repetiu Zambada.

Scherer foi diretor do Excelsior até 1976, quando o então presidente Luis Echeverría decidiu acabar com o projeto editorial do diário. A história está contada em dois romances, La guerra de Galio de Heitor Aguilar Camín e Los periodistas de Vicente Leñero.

Quanto ao Proceso, não se trata de uma revista pró-tráfico, mas o contrário disso. Critica a guerra militar executada pelo presidente Felipe Calderón por já ter causado 18 mil mortes e demonstrado não ser eficaz para acabar com a criminalidade e a violência.

Scherer mostra um Zambada de 60 anos, casado, pai de cinco mulheres, com 15 netos e um bisneto e capaz de falar com realismo cínico sobre a militarização de uma luta anti-tráfico: “é uma guerra perdida porque o tráfico faz parte da sociedade, como a corrupção”.

Zambada diz que sempre tem medo, que o prenderão “a qualquer momento ou nunca”. Conta que por isso se reclui no morro enquanto dirige seus negócios. Tanto faz para ele atuar no México ou nos Estados Unidos, onde desde de 2003 figura na lista dos procurados.

Em paralelo à entrevista, o Proceso acompanha um informe que detalha a capacidade de “penetração institucional” do tráfico, incluindo “o exército, suas vultuosas atividades financeiras e sua aptidão logística para movimentar droga, dinheiro e armas”.

O semanário dá um exemplo: Jesús Vizcarra Calderón, suspeito de vinculações com o tráfico e pré-candidato do Partido Revolucionário Institucional, hoje na oposição, governando Sinaloa.

Herdeiro do Patido Nacional Revolucionário e do Partido da Revolução Mexicana, o PRI governou o México com esse nome entre 1946 e 2000. Amplo, com profundos vínculos com o Estado e com os grandes sindicatos, capaz de nacionalizar o petróleo com a atuação de Lázaro Cárdenas e, anos depois, capaz de emular Carlos Menem com a presidência de Carlos Salinas de Gotari, o PRI permite a existência de um Vizcarra mas também um militante anti-tráfico como o jurista Alfonso Navarrete Prida.

É interessante a perspectiva histórica de Navarrete. Defende que os Estados Unidos, incapazes de diminuir a demanda de droga em seu próprio mercado, optaram por impedir que a oferta fluísse a partir do México. Para isso teriam projetado o plano militar aplicado por Calderón.

Sua conclusão merece ser considerada em todo o continente. “Isso fez com que o transportador tivesse que se coligar às organizações locais, das comunidades, dos municípios, que, por sua vez, ao dispor de um novo elemento para vender, evoluíram rapidamente e então começou a luta pelo território, pelo mercado e pela rota”, opina. E arremata: “a conseqüência imediata foi o aumento da violência”.

A centro-esquerda, por outro lado, recomenda maior concentração nos problemas sociais e de segurança interna. É o que diz, por exemplo, Marcos Carlos Cruz Martinez, do Partido da Revolução Democrática.

No México, o auge da violência coincidiu com a nova tática anti-tráfico dos Estados Unidos e com a debilidade econômica, conseqüência do fato de o país ter importado a crise sem barreiras porque 80 por cento do seu comércio exterior tem como destino ou origem o mercado norte-americano, o que não ocorreu com a Argentina e o Brasil porque um terço do comércio internacional desses dois países é entre si mesmos.

Um comentário publicado de passagem no semanário conservador inglês The Economist acrescenta outro elemento à análise da questão do tráfico. Um artigo duro contra o Equador, “a lavanderia andina”, critica o presidente Rafael Correa e ao mesmo tempo afirma que o uso do dólar como moeda local fez com que o país se tornasse “particularmente atrativo aos lavadores de dinheiro”.

Correa já anunciou que se propõe a sair da dolarização, mas que só o pode fazer em médio prazo. A substituição do sucre pelo dólar, decidida em janeiro de 2000 pelo presidente Jamil Mahuad, foi uma falcatrua aparentada com a convertibilidade de Domingo Cavallo e concretizada em meio à mesma irregularidade financeira internacional que afetou a Argentina. Sabem qual é o nome do chefe da equipe que assessorou em 1996 o presidente equatoriano Assad Buncaram e em 1999 a Mahuad? Começa com “cav” e termina com “allo”.

Trata-se da mesma época em que o Brasil ficou desguarnecido frente à irregularidade mundial sem limites. E tudo se agravou por conta da crise social: Jorge Mattoso escreveu no livro coletivo Brasil: entre o passado e o futuro que “na década de 1990 se registrou a menor taxa média de crescimento do século (1,65 por cento) e um índice de apenas 2,3 por cento anuais durante os oito anos no governo FHC”. A paridade entre o dólar e o real foi mais flexível no Brasil que na Argentina, mas não deixou de ser fictícia.

Equatorianos, brasileiros e argentinos talvez devam agregar mais um item à herança maldita dos neo-conservadores: o desenvolvimento do tráfico graças à combinação da precarização do trabalho, a marginalidade e o mercado financeiro sem fronteiras.

Martín Granovsky é analista internacional argentino. Contato: martin.granovsky@gmail.comEste endere�o de e-mail est� protegido contra spam bots, pelo que o Javascript ter� de estar activado para poder visualizar o endere�o de email

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