ÍNDIOS, PROTAGONISTAS DA SUA LUTA
Republicamos matéria do Blog do Zé, 20/04/2010

Neste 2010 em que se comemora exatamente um século de reconhecimento oficial da questão indígena pelo Estado, o presidente Lula deixou claro, na ultima celebração do Dia do Índio (essa semana) com ele no governo: “Que o Estado cresça sem tirar o direito de o índio viver tal como ele queira viver”. Para contar um pouco sobre a política indígena vigente no nosso país, apontando, obviamente, os desafios ainda a vencer, publicamos um pingue-pongue com o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Márcio Meira. Ele falou ao blog após o seu regresso da Reserva Raposa/Serra do Sol (RR), onde acompanhou o presidente Lula nas comemorações de um ano da demarcação deste território.
Qual avaliação você faz da questão indígena hoje no Brasil?
Márcio Meira – Fazer um balanço da questão indígena como um todo é importante na medida em que completamos neste ano, 100 anos do serviço de proteção do Estado aos índios, iniciado em 1910 pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Temos, então, um século de indigenismo oficial, sempre pautado pela proteção às comunidades indígenas que, mesmo com todas as dificuldades, tem como um marco em sua vida a Constituição de 1988.
Nela, estão garantidos aos povos indígenas, no capítulo 8º, os direitos originários sobre as terras tradicionais e ocupadas. Isso repercutiu de forma muito positiva nos anos subsequentes, porque esses territórios puderam ser reconhecidos e homologados, dando segurança aos índios. Repercutiu inclusive no aumento da população indígena – nos anos 70, os povos indígenas chegaram a um patamar mínimo de 220 mil pessoas. O Censo do IBGE de 2000, já indica 735 mil e a estimativa, dez anos depois, é de que a população indígena no país seja de aproximadamente 1 milhão. Desse total, nem todos vivem em terras indigenas – só cerca de 550 mil a 600 mil. Agora, esses números serão confirmados no Censo de 2010 que numa ação conjunta do IBGE e da FUNAI, pela primeira vez, detalhará a população indígena no país.
No geral, nosso balanço hoje é muito positivo, apesar das dificuldades evidentes que os povos indígenas ainda têm. Principalmente nas questões da segurança, conflitos e ameaças, além de muita discriminação e preconceito frutos do desconhecimento da maior parte da sociedade. Mas, sem dúvidas, houve muitos avanços.
Em relação ao protagonismo indígena…
Márcio Meira – Dos anos 80 para cá, os índios começaram a se organizar e uniram-se em movimentos importantes. Alguns exemplos são o Conselho Índigena de Roraima, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste e Leste, entre outros. São entidades de defesa de seus interesses e instrumentos de articulação e discussão com os poderes públicos. É preciso mencionar também as centenas de associações de professores, mulheres e jovens indígenas e também as que se dividem por bacia hidrográfica. São exemplos importantes que mostram o quanto os índios passaram nos últimos anos a serem protagonistas do seu próprio processo de luta.
Outro ponto importante foi a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista pelo governo federal. Trata-se de uma instância de participação direta dos povos indígenas na discussão de políticas públicas que funciona desde 2007. É uma experiência única que permitiu aos povos indigenas discutirem diretamente com o governo suas reivindicações como as questões da saúde, educação, seguranca e demarcação de terras entre outras. Também possibilitou o debate da questão cultural, políticas de gestão territorial em solo indígena e sobretudo da questão ambiental. Essas discussões levaram a uma série de avanços, inclusive a reformulação do Estatuto dos Povos Indígenas, já encaminhado à Câmara dos Deputados e que visa substituir o velho Estatuto do Índio de 1973.
No protagonismo vimos um ganho imenso também através da criação de Comitês Regionais Participativos que já são 36, com representantes do Estado e das comunidades indígenas.
Qual o balanço que você faz do governo Lula em relação a essa questão?
vários aspectos para a questão indígena. Primeiramente, quanto ao próprio papel do Estado. A FUNAI – órgão de coordenação da questão indígena no país – estava bastante degradada quando o atual governo assumiu. Estava, inclusive ameaçada de extinção.Nesses oito anos de governo Lula, o que vimos foi uma recuperação e fortalecimento da FUNAI. Houve toda uma reestruturação do órgão. Para este ano estão previstas medidas de consolidação dessas políticas. O fortalecimento do Estado na atuação da questão indígena passou não apenas pela FUNAI, mas vimos a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – atendendo a uma demanda fundamental – permitindo uma maior autonomia nessa questão com os distritos sanitários especiais indígenas, responsáveis por melhorar a qualidade do atendimento na Saúde, avançando muito mais na autonomia financeira e reforçando, assim, o papel do Estado nessa área.
Outro aspecto importante foi a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena responsável pela elaboração de uma resolução que foi para o Conselho Nacional de Educação. O resultado disso é que o Ministério da Educação, desde o ano passado, está implantando os territórios étnicos educacionais por todo o país, uma parceria de sucesso entre a União, Estados, municípios e comunidades indígenas. Estamos vivendo um capítulo de fortalecimento geral do Estado na política indigenista brasileira.
E quanto à questão da terra?
Márcio Meira – Como eu disse, a partir da Constituição de 88, a terra para o indígena tornou-se um direito constitucional. Tivemos avanços no governo Lula. O presidente declarou, reconheceu e homologou dezenas de reservas indígenas, regularizando cerca de cinco milhões de hectares de terras nessa condição. Raposa/Serra do Sol é um exemplo da importância que este governo dá a essa questão. O presidente não apenas a homologou há exatamente um ano, como teve um papel fundamental na defesa da demarcação do território de forma contínua, para que ela fosse garantida pelo Supremo Tribunal Federal que deu ganho de causa para às comunidades e à FUNAI. Portanto o saldo neste sentido é bastante positivo.
Quais os desafios para o próximo governo?
Márcio Meira – Sem dúvida é consolidar essas conquistas como políticas de Estado. Avançar sobre a questão do protagonismo nas decisões, transformar a Comissão Nacional de Política Indígena num Conselho de Lei – há inclusive um processo nesse sentido na Câmara. Também a questão geral da sustentabilidade socioambiental e políticas de proteção no futuro. Apesar de que muitas terras indígenas hoje estão demarcadas e reconhecidas, muitas ainda são irregulares e desconhecidas. Estas precisam de política a longo prazo, com desenvolvimento sociambiental, a partir, evidentemente, de pressupostos de etnodesenvolvimento, cultura e costumes das comunidades indígenas que as habitam.
Há ainda muito preconceito contra o índio?
Márcio Meira – Sim, ele existe. Mas está diminuindo.
Fotos: Marcio Meira: Mário Vilela/FUNAI ; Ricardo Stuckert/PR
