Eduardo Galeano: Leia entrevista de Caros Amigos na íntegra

A oportunidade de entrevistar Eduardo Galeano surgiu com o lançamento no brasil de um novo livro dele. mas, para ouvir tamanho contador de histórias, o pretexto é o que menos importa

Por Fernando Evangelista, Elis Motta, Ricardo Viel e Franco Squicciarinni
Publicada na edição de agosto de 2004

Ele diz que escreve à mão. Mas não é verdade. As palavras de Eduardo Galeano, palavras lutadoras e apaixonadas, palavras “sentipensantes”, são escritas com o corpo todo: as veias, as tripas, o coração. São cinquenta anos dedicados ao ofício de denunciar o que incomoda e anunciar o que pode ser. O autor de “As Veias Abertas da América Latina”, da trilogia “Memória do Fogo”, entre outras obras extraordinárias, lança este mês no Brasil um novo livro: “Bocas do Tempo”. Nosso encontro com esse malabarista das palavras, contador e escutador de histórias, aconteceu no café El Brasilero, o mais antigo de Montevidéu.

EduardoGaleano-i3O uruguaio Alberto Lechili, motorista de táxi que conhecemos logo depois da entrevista, diz: “Galeano é um homem que vê o mundo como poucos”. Enquanto seu velho carro cruza as frias avenidas da capital, acrescenta: “É um ser humano como poucos”. Alberto tem razão.

Fernando Evangelista – Sempre começamos perguntando sobre a infância do entrevistado. Qual é a imagem mais nítida que você guarda dessa época?

Eduardo Galeano – O que sei é que nasci em 1940 e o mundo não esperava nada de bom, aí eu nasci. Minha infância foi um tempo de muita liberdade. Quando comparo – involuntariamente, não é uma coisa deliberada – o que foi a minha infância com o que é a infância dos meninos de hoje, é patético. É muito triste ver esses meninos andando de triciclo nas varandas dos prédios, prisioneiros do medo, da insegurança. Isso numa cidade como Montevidéu, que não é grande e ainda contém espaços de liberdade. Para não falar da situação dos extremos sociais, dos pobres pobríssimos prisioneiros da pobreza, dos ricos riquíssimos prisioneiros do dinheiro, tratados como se fossem dinheiro. Então, a minha infância foi de muita liberdade, de classe média, numa época em que a classe média não estava tão prisioneira como hoje. Estava prisioneira porque sempre está prisioneira dos medos que inventa. Mas naquele tempo não eram tão evidentes, como hoje, os níveis de alienação desses setores sociais nos quais nasci e vivi. Morei num bairro que agora está cheio de imensos edifícios, mas que naquele tempo era puro verde. Tive uma infância de muita intempérie, bem guerreira, de bandos inimigos, de muito futebol na praia. Minha mãe nos trancava no quarto, meu irmão e eu, para dormirmos a sesta, que era obrigatória, e aí fugíamos pela janela. Nunca dormi a sesta durante a infância. Foi depois que aprendi a enorme importância dessa invenção maravilhosa que faz com que cada dia tenha duas manhãs. Valorizei isso só depois. Agora não posso viver sem a sesta, mas naquela época, quando era criança, a sesta era um tempo roubado do jogo, da brincadeira, das aventuras.

Fernando Evangelista – Sua família é de onde?

É uma família de uruguaios de várias gerações. Remotamente, tenho uma mistura disso que chamam de sangue – em que não acredito muito – de britânicos de Gales, italianos de Gênova, espanhóis de Castilha e alemães que não se sabe muito bem se eram alemães ou holandeses. Uma mistura nada recomendável. Quando se vê o resultado, você diz: vamos tentar outros experimentos. Darcy Ribeiro dizia que eu era um mulato ideológico. Quando ele me escrevia cartas – algumas guardei, outras o vento levou –, começava sempre assim: “Meu mulato ideológico”.

Franco Squicciarini – A casa em que você morava era uma casa com biblioteca, com muitos livros?

Não, não era. A casa da minha avó materna, sim. Ela lia muito. Foi daí que recebi essa influência de amor aos livros. Mas eu também não era muito leitor.

Fernando Evangelista – E quando começa essa paixão?

Eu não acreditava na sesta, não era muito leitor. Gostava de ler Salgari, Sandokan, Corsário Negro, essas coisas. Já Júlio Verne, eu achava chatíssimo, esse negócio da ciência. Era mais de brincar a vida do que de lê-la. Na verdade, só fiz a escola primária e um ano da secundária. Naquele tempo eram seis anos de escola primária e um ano, um ano e meio, mais ou menos, de secundária. Isso foi tudo que estudei na vida. Ingressei muito cedo na vida das vinerías, dos cafés daqui de Montevidéu, que foram a minha universidade. Foi nos cafés que aprendi a maioria das coisas que sei. Através dos livros também, claro. Mas, para mim, a experiência mais importante foi o contato direto com grandes narradores orais que descobri nos cafés de Montevidéu. Agora já não existe mais isso. Nesse tempo, que não era a pré-história da humanidade, Montevidéu tinha muitas vinerías, ou seja, cantinas, lugares onde as pessoas se encontravam para beber vinho, acompanhando o vinho de algumas coisas, sobretudo de canções e histórias. Isso se perdeu, já não existe mais. Para mim foi muito importante esse período de formação, foi ali que se deu a revelação do magnetismo do poder da palavra. Eu não tinha muita ideia disso. Em parte, porque achava o pouco que eu tinha estudado de história, literatura uma chatice e depois porque estava muito mais inclinado para a coisa plástica. Como projeto de vida, me sentia muito mais pintor do que escritor. Adorava desenhar, pintar, passava as horas desenhando. Nos cafés, eu desenhava todo mundo, fazia caricaturas.

Elis Motta – Foi fazendo caricaturas que você começou no jornalismo, não?

É, comecei no jornalismo como caricaturista, num semanário socialista. Eu tinha 14 anos quando publiquei as primeiras charges, que eram caricaturas. Depois comecei a reconhecer nas palavras um poder de comunicação que eu não sabia que elas tinham. E então começo a escrever. Mas isso não foi revelado pelos livros, foi revelado pelas pessoas. Foi revelado por caras que não existem mais, que já morreram, que eram velhos. Os melhores narradores são os velhos. Eram, porque agora já não existem mais. Nem velhos, nem jovens, nem nada. Mas naquele tempo existiam muitos narradores velhos. Daqueles maravilhosos que contavam como deuses.

Ricardo Viel – E por que não existem mais esses narradores?

Não sei. Acho que os tempos mudaram. Existem ainda, estou exagerando. Mas não é tão frequente como era encontrar EduardoGaleano-tpesses transmissores da memória coletiva. Ainda em alguns lugares, quando morre um velho, se diz que é uma biblioteca que se incendeia. São pessoas que, com conhecimento acumulado no espírito, encarnam um tempo, às vezes uma cidade, um país. Às vezes, uma rua apenas. Para mim, era um prazer imenso essa convivência. Eu passava todo o tempo que podia escutando aqueles narradores. Uma vez, escutei uma discussão interessantíssima sobre a quiniela clandestina, que é uma forma de jogo do bicho, uma espécie de loteria. Tinha uma quiniela legal e uma outra clandestina, que pagava prêmios maiores, porque não tinha imposto público. Naquela época, a quiniela clandestina era muito importante. Tinha os quinieleros que andavam pelos cafés e eram muito confiáveis. Aliás, os únicos banqueiros confiáveis deste país eram os quinieleros clandestinos. Tinha um tal de Húngaro que parava sempre no café da avenida Rivera. Uma vez chegou um cara… espera, não tenho tanta certeza de como era a história… Ah, sim, lembrei. Era um cara que chega, procura esse Húngaro e diz: “Olha, ontem tive um sonho, sonhei com o número 88”. E aí o Húngaro o aconselhou: “Se você sonhou com o número 88, viu ele bem clarinho, então é certo que sai a la grande, o prêmio maior. Se sonhou assim com essa certeza, pode apostar tranquilo que vai ganhar”. O Húngaro continua: “Você sonha sempre com número?” “Não, nunca, primeira vez na vida”, responde o outro. “Então é garantido que ganha.” E aí o cara apostou tudo que tinha. Semana seguinte, ele volta e diz pro Húngaro: “Você disse que eu ia ganhar e não ganhei. Apostei no 88 e saiu o 99”. Aí, o Húngaro pergunta pra ele: “Pelo que vejo, você usa óculos, é míope?” “Sou, sim”, ele respondeu. “E você dorme de óculos?” “Não, pra dormir eu tiro.” “Então, a explicação é essa. Você sonhou bem, mas viu mal.” (risos) Esse é só um exemplo. São milhões de histórias que eu ia escutando, pegando. Sou um depósito de histórias.

Franco Squicciarini – E todas essas histórias você foi recolhendo e botando no papel?

Algumas escrevi, outras não. Tem histórias que são faladas e outras são escritas. Tem histórias para falar e histórias para contar por escrito. Não é a mesma coisa, são regras diferentes. Foi a partir do contato com pessoas que eram capazes de contar o que acontecia e o que tinha acontecido antes que tive essa revelação de que escrever podia valer a pena, de que a palavra como instrumento de comunicação podia ser tanto ou mais importante que a imagem. Porque eu sempre sentia aquela distância entre o que queria dizer e o que conseguia dizer na pintura, no desenho. Era sempre uma distância enorme, um fosso profundo que não dava para atravessar, um abismo fundo demais. Comecei a escrever para ver o que acontecia, mas me custou muito. Agora me custa mais. Custa mais porque o nível de exigência, de auto-exigência, cresce com os anos, pelo menos no meu caso. Sou cada vez mais auto-exigente e cada vez trabalho mais o texto.

Fernando Evangelista – Escrevendo sempre à mão?

Primeiro, à mão: uma, duas, três, vinte vezes. E hoje em dia passo para o computador, daí imprimo e volto a trabalhar o texto. Mas tenho muita desconfiança das máquinas, dos ordenadores, computadores, computers. Durante muito tempo eu não queria nem ouvir falar neles. Mas, finalmente, me rendi, foi uma derrota desonrosa. Continuo desconfiando das máquinas, acho que elas bebem de noite quando ninguém vê. E que, por isso, durante o dia fazem as coisas que fazem. Essa desconfiança tenho ainda, e é confirmada pela conduta no mínimo enigmática das maquininhas, da quantidade imensa de coisas absurdamente incompreensíveis que acontecem. A única explicação é que elas bebem à noite. Mas agora reconheço que podem ter utilidade, sobretudo para mim, que vivi sempre ameaçado de perto pelos cães das erratas.

Fernando Evangelista – Você poderia falar um pouco mais do início de sua carreira? Com 14 anos, você entrou nas redações dos jornais, e com 20 já era diretor…

Fui chefe de redação do Marcha quando tinha 19 anos. Marcha era um semanário importante daqui. E depois, com 22, fui diretor do Época, um jornal diário.

Fernando Evangelista – Época que era o reduto dos malucos de Montevidéu.

Maluquíssimos. Inacreditável. Inacreditável porque era um jornal que não pagava nunca. Então, cada um dos redatores vivia de outras coisas, não eram profissionais. Faziam isso pela fé, pela vontade, pela torcida por um Uruguai diferente. Às vezes havia na redação quinhentos jornalistas, e às vezes três. Aí, cada um tinha de fazer tudo, porque normalmente publicávamos 24 páginas por dia, às vezes 32, nessas condições amadoras. A média de idade era 20, 22, 23 anos. Era uma maravilha, uma aventura em um país inteiramente diferente deste país que vocês estão vendo. Isso aconteceu no ano 1963, 1964, por aí. E agora, quarenta anos depois, o Uruguai é um país de velhos, um país de onde os jovens foram todos embora. A impressão que dá é muito deprimente. É um país cansado, desalentado, vazio de energia. Vamos ver se agora, com a ascensão previsível da Frente Ampla, as coisas mudam. Mas virou um país muito dark, muito deprimente. Naquele tempo não era assim. O próprio Época era uma prova disso. Vendíamos, mais ou menos, de 25.000 a 30.000 exemplares por dia. Isso, em um país pequeno e nessas condições, trabalhando sem saber nunca se íamos conseguir o papel para a próxima edição. Acabávamos o trabalho às 2 da manhã, aí tirávamos todas as mesas, máquinas, pegávamos uma bola e jogávamos futebol. Uma, duas horas… aí, quando estávamos todos bem mortos, íamos ver o amanhecer. Era um mundo muito diferente do que seria o mundo de uma redação formal. Era muito lindo, muito bom. Ali aprendi a fazer tudo, tudo: eu era diretor, mas fazia também o horóscopo. Fazia os editoriais, ou seja, as opiniões seriíssimas da casa, o que implicava guerra contínua contra cada um dos inumeráveis grupos e movimentos de esquerda dos quais Época era a expressão. Expressão disso que se chamava, e se chama ainda, esquerda independente. Naquele tempo, existiam o jornal do Partido Comunista e o nosso, que era a esquerda independente. Era uma briga constante com aqueles caras que chegavam seriíssimos, ingressavam na redação em nome de um dos partidos trotskistas, olhando aquelas paredes cheias de mulheres nuas, já comprovando que toda desconfiança tinha fundamento. Vinham para pedir uma discussão política que ia levar horas, imagina a paciência. Eu era blindado, era de aço puro.

EduardoGaleano-i2Fernando Evangelista – Sem contar os outros loucos que apareciam, tem histórias lindas.

Ah, milhões… Tinha aquele que dizia que quando abria a torneira saíam formigas, não saía água, saíam formigas e era a CIA que estava fazendo isso com ele para enlouquecê-lo. Um outro fez um projeto imenso de um canhãozinho para apagar incêndios com areia. Tinha uma quantidade imensa de loucos, malucos, maluquíssimos.

Fernando Evangelista – Isso foi mais ou menos na época em que você entrevistou o Che Guevara?

Sim, entrevistei o Che em julho de 1964. Ele era ministro naquele tempo. Antes de encontrá-lo, fomos advertidos de que ele não teria tempo, que dispunha só de dois minutos, só para nos cumprimentar. Éramos três uruguaios. Bom, aceitamos e, no momento em que o Che abriu a porta do escritório, eu, com a maior cara-de-pau, coloquei uma foto na cara dele e lhe disse: “Traidor!” Era uma foto publicada no jornal Granma que o mostrava jogando beisebol. Ele teve uma experiência insólita. Ficamos três horas conversando.

Fernando Evangelista – Desse encontro, qual é a lembrança mais forte que você tem do Che?

O olhar. Era um cara excepcional, extraordinário. E estava nos olhos, tinha uma luz nos olhos, uma coisa meio messiânica, de iluminado. Eram olhos também muito confiáveis. Olhos de alguém que não vai mentir, olhos de alguém capaz de dizer o que pensava e fazer o que dizia. Ele pensava, dizia, fazia. A comunhão entre essas três coisas se dava de maneira excepcional. E a prova de que essa coerência existia estava nos olhos. Acho que essa coerência, tão excepcional, é a chave, a explicação da imensa popularidade que o Che Guevara carrega tantos anos depois de sua morte. A explicação dessa teimosa capacidade de sobreviver está nessa comunhão entre a palavra e o ato. É uma comunhão muito difícil de encontrar, tão excepcional, que ele virou excepcional também. Muitas das coisas que o Che pregou em vida, a formulação das ideias do Che Guevara, lidas hoje, são de acesso difícil. Mas isso não impede em nada que milhões e milhões de jovens do mundo, de lugares mais diversos, continuem se reconhecendo nele. Acho que se reconhecem nele não no sentido de que ele pregou a luta armada, ou que era um inimigo mortal dos estímulos materiais no processo de construção do socialismo, não, nada disso. Esses garotos nem sabem do que ele estava falando. Mas percebem que foi um homem extraordinário porque nunca mentia e era coerente com o que acreditava. Isso é uma coerência insólita. Na América Latina, sobretudo, é quase um milagre quando a palavra e o ato se encontram; quando se encontram, não se reconhecem e por isso não se cumprimentam.

Fernando Evangelista – Ele chegou a ler a entrevista?

Não sei, porque ele sumiu pouco depois. Deve ter sido uma das últimas, provavelmente a última entrevista que ele deu. Mas, na verdade, não foi uma entrevista, o que fiz foi registrar a conversa tal como eu lembrava que era. Cada vez que eu tirava a caneta do bolso para anotar algo que ele tinha dito, aí ele me olhava sério e ficava quieto. Então, acabei por confiar inteiramente na memória. O problema com a memória é que ela tem filtros e nem sempre você está de acordo com o filtro que ela usa.

Elis Motta – Você assistiu ao filme Diários de Motocicleta?

Não, ainda não. Não foi exibido aqui.

Elis Motta – O filme mostra justamente essa imagem, a de um homem que não mente, um homem solidário, sensível.

Sim… E era também um homem que, às vezes, estava em conflito com as suas próprias teorias. Por exemplo, quando ele dizia que um guerrilheiro tinha de funcionar como uma máquina, sem esquecer a ternura, mas que tinha de ser como uma máquina na eficácia, na eficiência, você percebia uma tensão interior nesse homem que era uma tensão tão fecunda, tão vital, mas também tão cheia de dor, uma tensão entre a paixão e a razão. Ele era muito contido, muito reprimido.

Fernando Evangelista – Reprimido?

Sim, sim. Um cara que tinha uma concepção muito austera e puritana do processo revolucionário. Ele era muito intolerante, muito puritano, muito auto-exigente. Depois, ele exigia dos demais, mas em primeiro lugar era auto-exigente. Era o exercício do dever cotidiano em contradição com essas energias que ele continha e que viviam reprimidas de alguma maneira. Então, essa tensão de forças que lutavam dentro dele era o motor da imensa energia que ele transmitia. Transmitia uma certeza que não era burocrática, certezas verdadeiras, nascidas de conflitos muito profundos. Ele era um apaixonado, mas também um racionalista severíssimo. Alguém que carregava sobre as costas a cruz e as dores do mundo, mas que conservava essa capacidade de humor, de alegria, que muito dificilmente ele conseguia exprimir sem sentir que estava traindo o dever de serviço à humanidade, para o qual tinha nascido. É um negócio complicadérrimo, mas naquelas três horas ele morreu de rir. Foi uma experiência inesquecível.

Fernando Evangelista – Houve uma empatia entre vocês.

Não, o que houve foi aquela foto do beisebol, a palavra “traidor”. Foi isso o que houve.

Ricardo Viel – Falando em Che, foi muito dolorido escrever o artigo “Cuba Dói”? (artigo publicado em abril de 2003)

Foi. Cuba dói porque dói escrevê-lo. Esse texto escrevi quando aconteceram aquelas penas de morte, quando foram parar na cadeia essas dezenas de dissidentes, dissidentes entre aspas, porque estavam sendo pagos pela embaixada dos Estados Unidos etc. etc. Mas o fato de a revolução punir com o cárcere esse delito, para mim, era inaceitável. Porque eu achava, e acho ainda, que uma revolução, como a revolução cubana, que gerou um país novo com um altíssimo sentido de dignidade nacional, nesse país novo bastaria denunciar que esses caras eram profissionais a serviço de uma potência inimiga para desacreditá-los completamente. E que, levando-os para o cárcere, para a cadeia, estariam lhes oferecendo o prestígio de mártires. É isso que ainda acho, e acho também que o bloqueio, que é uma realidade trágica e dolorosa, muitas vezes atua como um álibi mágico para escusar a burocracia da barbaridade que comete. Eram coisas que eu já havia falado antes. No livro, o “De Pernas para o Ar”, isso está dito também. Tem um capítulo que fala das experiências lastimáveis do mundo do Leste, onde se fala de Cuba com muito carinho, como falo sempre. Fonseca Amador, dirigente sandinista da Nicarágua, tinha toda razão do mundo quando dizia que o amigo de verdade, o verdadeiro amigo, é aquele que é capaz de te criticar pela frente e te elogiar pelas costas. Minha relação com os cubanos sempre foi de uma lealdade total. Acredito que a solidariedade pode e deve ser exercida a partir da liberdade de consciência, e não a partir do dever de obediência. Aquela tradição stalinista que impõe a solidariedade como um dever, e como um dever nascido da obediência, comigo não funciona. Acho que não funciona com ninguém, porque não é de longa duração. Veja o que aconteceu com essas experiências lastimosas do fim do século 20, com esses sistemas que foram derrubados num sopro. Não tinham embasamento nenhum. Continuo acreditando que Cuba é diferente. E é por isso que Cuba está onde está, porque é diferente. Mas também me reservo o direito de não concordar com essa estrutura de poder que é o resultado de um isolamento de mais de quarenta anos. Os cubanos não fizeram o que queriam, fizeram o que podiam. Continuo acreditando na dignidade desse povo exemplar, em um mundo faminto de dignidade, onde a dignidade está cada vez mais escassa e mais difícil de encontrar. Mas também continuo com aquela velha certeza minha de que a onipotência do Estado não é a resposta justa à onipotência do mercado.

Fernando Evangelista – A onipotência do mercado que é fruto da ditadura do pensamento único. Tem uma frase no sindicato dos jornalistas de Buenos Aires que diz assim: “A ditadura não me deixava escrever aquilo que penso. O pensamento único não me deixa pensar o que escrevo”.

Muito boa essa frase, de quem será? A necessidade que sinto hoje, com mais força do que nunca, é afirmar a diversidade do mundo. E também a necessidade de afirmar a diversidade dos projetos de outros mundos possíveis. Porque senão, se você tiver um único projeto de outro mundo possível como alternativa a esse mundo submetido à ditadura do pensamento único, vai trocar uma ditadura por outra. E isso não vale a pena. Não é para isso que tanto sangue foi derramado, tanto sangue, tantas esperanças foram quebradas, não foi para isso.

Fernando Evangelista – Mas existem esses projetos?

Sim, existem por toda parte. Muitos desses projetos não têm ainda uma articulação visível, mas existem e estão aí. Ninguém poderia imaginar que aquele projeto do Fórum em Porto Alegre teria o sucesso que teve e que vai continuar tendo de maneira crescente. Porque é a expressão da necessidade de uma quantidade imensa de grupos, movimentos – alguns deles pequeninos, outros grandes – que o achava que era. Assim ficou, não sei se é dele ou não, mas, se não é, merece ser. E eu, de verdade, acredito que há essa comunhão contraditória entre o dia e a noite, a vida e a morte, o amor e o ódio… enfim, todas as antíteses da existência que estão o tempo todo te desafiando e colocando novas tensões das quais aparecem outras contradições. A única resposta digna de ser acreditada é a que formula uma nova pergunta. Acho que daí, algo em conexão com isso, deve ser a explicação de que no que escrevo ainda há alguma coisa muito parecida com a esperança. Que não é uma esperança ditada pela consciência. Não é o fato de ser um escritor inteiramente responsável pelo que escrevo, que não tenho o direito de semear o derrotismo, o desalento. Não. Não é nada disso. Esse tipo de raciocínio não dá, porque todo resultado será uma literatura não verdadeira, na qual você não está dizendo o que realmente quer dizer, mas o que você acha que deve ser dito. Isso é a pior coisa que pode acontecer, porque depois o resultado não transmite ao leitor a energia, não transmite essa eletricidade que, em boa medida, vem da dúvida. Porque a dúvida é uma fonte motriz muito importante, de todas as certezas. mundo tem e que estão começando a se conhecer e a articular movimentos conjuntos.

Fernando Evangelista – Uma das coisas que me atraem na sua obra é essa capacidade da denúncia, mas do anúncio também.

Sim, uma denúncia que anuncia.

Fernando Evangelista – Uma capacidade de anunciar que as coisas podem ser diferentes, de não ter perdido a esperança, de não ter se desumanizado. De onde vem isso?

Acho que a explicação está no fato de que, afortunadamente, a vida é contraditória. Com 18 e 19 anos, fiz um curso de marxismo aqui em Montevidéu com um professor argentino, Henrique Roque, um cara que sabia muito. Fizemos em grupo uma leitura de “O Capital” durante dois anos, levados pela mão de alguém com imensa capacidade de tradução. Tradução dos conceitos filosóficos e da terminologia econômica para fazê-lo compreensível a um grupo de gente jovem que estava tentando mergulhar nessas águas difíceis. Em grupo é a única maneira de ler “O Capital”, não sei se alguém tentou ler sozinho, mas acho que só é possível ler em grupo. O mais importante que recebi daqueles dois anos dessa leitura, com mais força, de uma maneira mais inesquecível, além do muito que aprendi de economia, foi a certeza da contradição como motor da vida e da história. Isso continua sendo para mim uma “chave abre portas” que me permite entender o que na aparência não é compreensível. O livro “Dias e Noites de Amor e Guerra” começa com uma frase de Marx sobre as contradições, que é assim: “Na história, como na natureza, a podridão é a fonte da vida”. Tive um problema com essa frase. Esse livro é uma obra de exílio, foi escrito quando eu estava saindo da Argentina, no começo do exílio europeu. Então, quando escrevi o livro, não tinha nada à mão para consultar. O livro era a minha memória que eu estava tentando abrir para os outros, para os demais, e que era uma memória cheia de gente, uma memória com muita gente dentro. Quando terminei o livro, achei que essa seria uma boa frase de apresentação. Aí, o livro foi traduzido em algumas línguas, entre outras, a língua alemã. O tradutor alemão, muito “alemãmente”, quer dizer, germanicamente, como só um alemão é capaz, procurou a frase nas obras do Marx, e não achou. Então, o tradutor me diz: “Olha, tentei encontrar essa frase e não a achei, ela não aparece”.

Franco Squicciarini – Mas a frase existe, é do Marx?

Essa frase nunca apareceu. Também tentei procurar e não achei. Mas, depois, aquele tradutor alemão e meus amigos coincidem, não sei se por razão ou por consolo, por amor ou por compaixão, em dizer que, se a frase não é de Marx, merece ser. Quer dizer, é uma definição perfeita do que ele

Fernando Evangelista – Em um recente artigo, “A Confissão do Torturador”, você diz que “Guantánamo é o símbolo dos tempos que nos esperam”. É uma frase bastante pessimista, não?

Não… dos tempos que nos esperam do ponto de vista do poder que está planificando esses tempos. Isso não significa que não existam, e afortunadamente existem, respostas para esse projeto que implica uma aniquilação dos direitos conquistados ao longo de muitas civilizações pela espécie humana. Em primeiríssimo lugar, o direito à sobrevivência, que está posto em jogo agora porque ninguém sabe se vamos ou não ter século 22. Esse mundo está sendo exterminado por seus proprietários. O que eu dizia nesse artigo é que é muito estranho encontrar a palavra tortura pronunciada com todas as letras, porque ninguém fala da tortura dizendo tortura. Se dizem abusos, erros, insistências ilegais, milhares de coisas, mas a palavra tortura é uma palavra difícil de aceitar. O que aconteceu depois da queda das torres gêmeas é muito revelador. Mostra a capacidade que o sistema tem de manipular o medo em escala coletiva. Houve uma pesquisa de opinião em seguida, na qual a pergunta continha a palavra tortura, assim como soa: tor-tura. A pergunta era se as pessoas achavam que a tortura poderia ser necessária, se aplicada contra os terroristas. Então, 45 por cento da população dos Estados Unidos disse que sim, que aprovava a tortura. Uma coisa terrível.

Fernando Evangelista – Isso me faz lembrar um outro texto seu, bem mais antigo, de uma outra época. Foi escrito em 1968, chama-se “Crônica da Tortura e da Vitória”. É sobre um argentino torturado pela ditadura. É impressionante porque extremamente atual…

Isso foi uma entrevista com um cara da juventude peronista, Jorge Rulli, que tinha sido terrivelmente torturado na Argentina. Ele me contou sua experiência, eu registrei. É verdade, é muito impressionante. A ideia fundamental que fui confirmando, somando tudo que pude aprender sobre a tortura, desde os tempos da Santa Inquisição, é que a tortura não é eficaz para obter informação. Confirmei isso não através de experiência própria porque, afortunadamente, nunca fui torturado, mas muitos dos meus amigos foram, muitos. Também escutei muita coisa nos dias em que fiquei preso aqui no Uruguai, que por sorte foram poucos. Ali via passar alguns torturados, chegavam completamente desfigurados, nas últimas. As informações que você tira através da tortura são muito duvidosas porque a dor, nesses níveis altíssimos, como digo nesse artigo, converte qualquer um em grande novelista. É insuportável. Então, você inventa o quer for. Pode ter uma proporção de informação verdadeira tirada através de meios de tormentos sistemáticos, mas é uma proporção mínima. Na verdade, a tortura é eficaz como meio de humilhação do prisioneiro, para quebrar sua dignidade humana, para reduzir o prisioneiro à condição de bicho, e, sobretudo, é importante para semear o medo. O Uruguai foi, segundo a Anistia Internacional, campeão de tortura durante os anos da ditadura militar. Quando já não éramos campeões mundiais no futebol, conseguimos ser campeões mundiais em tortura. O Uruguai foi o país com a maior quantidade de presos políticos no mundo e com a maior quantidade de torturados no mundo. Então, aqui, quando a ditadura militar aplicou a tortura sistematicamente, usou-a como instrumento de difusão do medo e dos gases paralisantes do medo. O medo paralisa as pessoas. E iam torturando qualquer um em qualquer lugar. Há uma quantidade imensa de casos no Uruguai que você não consegue explicar por que a pessoa foi torturada. E era exatamente para isso que a tortura era feita. No último livro, Bocas do Tempo, há uma história que tem a ver com isso que estamos falando. É uma história atribuída a um imperador chinês, que ninguém sabe o nome nem o tempo em que existiu. Deve ser verdadeira e, se não é, deveria ser. É assim: o conselheiro do imperador estava muito preocupado e falou para ele: “Ninguém tem medo de você”. O imperador diz: “Por que não? Enforquei os que não pagaram imposto, cortei o pescoço dos que não se inclinaram quando eu passava etc.”. E o conselheiro diz: “Sim, mas esses eram os culpáveis. Se você castiga só os culpáveis, só os culpáveis vão ter medo, e o poder sem medo é como um pulmão sem ar”. Aí, o imperador ficou pensando por um longo tempo e mandou cortar a cabeça do conselheiro. O conselheiro foi a primeira vitima de uma longa lista e o imperador desfrutou do poder durante muitos anos, até o fim dos seus dias.

Ricardo Viel – Queria que você falasse sobre esse novo livro, “Bocas do Tempo”, que está sendo lançado no Brasil.

Foram oito anos de trabalho escolhendo histórias que estão conectadas entre si. É parecido com o “Livro dos Abraços”, mas também é bastante diferente. Vai percorrendo os diferentes territórios: a infância, o amor, a terra, a água, a palavra, a imagem, o som, diferentes territórios, como um rio. Um trabalho imenso de muitos anos, de seleção de textos, de muito trabalho nos textos. São 333 histórias. Vi que eram 333 histórias no fim, quando fiz o índice. Ficou fora quase a mesma quantidade, pelo menos trezentas ficaram de fora. As eleitas, fios de cores que coincidiam para tecer esse tecido, foram 333. Isso descobri depois, mas é um número que dá boa sorte, soa bem.

Ricardo Viel – Qual é a sua principal motivação para escrever?

Evidente que é a necessidade de comunicação. É uma necessidade inexplicável de comunicação com os demais, que acho que também pode ser chamada de necessidade de comunhão. Porque, quando você se comunica verdadeiramente, está de alguma maneira comungando com o leitor. Quando um livro está vivo, te toca, tem dedos, toca a tua face. As palavras são como dedos que te tocam também. Tenho essa necessidade imensa de comunicação e de comunhão. Nunca concordei com o queridíssimo mestre Juan Carlos Onetti quando ele dizia que escrevia para si mesmo. Quando ele mentia, usava o prestígio dos nomes mágicos e dizia uma frase do James Joyce: “Eu escrevo para um cara que se chama James Joyce, que está ali sentado escutando o que leio”. Aí, eu dizia para ele: “Muito bem, se você escreve para você, por que não coloca o que escreve em um envelope, fecha e vai até o correio? Até vou se você não quiser, porque você passa o tempo inteiro deitado aí nessa cama, bebendo vinho. Você me dá o envelope e o levo até correio e o envio com o seu nome e endereço. E aí você recebe aquilo que você escreveu para você”. Ele dizia: “Não, não…”. Olhando para a fumaça que se perdia pelo teto, sem dar a menor bola. Passava um tempo e eu dizia: “Se você publica, escreve para outros que vão te ler. É uma mentira, você não escreve para você, se escrevesse para si mesmo, não publicaria”. (imita Onetti fumando, olhando para o teto) Aí, eu ia embora e ele não me cumprimentava.

Franco Squicciarini – Queria mudar um pouco o rumo da conversa. Hoje, os governantes dos países ditos de Primeiro Mundo, de Berlusconi a Bush, me parecem extremamente ignorantes. O nível intelectual dos que nos governam caiu vertiginosamente. Como você vê essa realidade?

O mundo tem os chefes que merece. O mundo de hoje é conduzido por uns poucos chefes de Estado que expressam uma única verdade, como se ela fosse capaz de conter todas as outras verdades. E essa verdade é: o que é rentável é bom. E o que não é rentável não merece existir. Então, para promover isso, não é necessário um nível intelectual altíssimo. Mas muito cuidado para não se confundir. Para mim, também é fácil brincar com as barbaridades que Carlos Menem cometeu aqui ao lado, por exemplo. Ele disse, entre outras coisas, que tinha lido as obras completas de Sócrates. Só que Sócrates nunca escreveu um livro. Quando Menem inaugurou a fundação Borges, fez um discurso inesquecível, dizendo que ele, Menem, era um admirador incondicional de toda a obra de Borges, mas, sobretudo, dos romances. Borges nunca escreveu romances. É fácil rir dessas coisas, mas o problema é mais complicado. Devemos saber por que as pessoas os elegem. Menem foi eleito duas vezes pela maioria do povo argentino. Na primeira vez, foi votado por pessoas que esperavam dele uma política diferente, mas ele vendeu, nesse primeiro período, o país a preço de banana. E foi eleito outra vez. Então acontece o mesmo com Berlusconi, com Aznar, com Bush… Temos de nos perguntar por que as pessoas votam nesses personagens.

Fernando Evangelista – Mas a eleição de Bush foi fraudada.

De qualquer forma, obteve milhões e milhões de votos. No início da guerra do Iraque, nos primeiros meses, quando já haviam matado mais de 7.000 civis, o que é proporcional a 93.000 norte-americanos, Bush foi ao Congresso e ao Senado e recebeu uma ovação porque era o líder triunfante da guerra, da guerra patriótica. E a cheerleader era a Hillary Clinton, a mais histérica, a que aplaudia com mais fervor o filho da puta do Bush. É verdade que ele é um tipo muito bruto, mas cabe a pergunta: por que as pessoas votam? As boas respostas são as que geram novas perguntas.

Franco Squicciarini – Por que as pessoas os elegem?

Porque o movimento progressista, porque a nova esquerda, em tantos países, em tantos lugares, não foi capaz de formular alternativas viáveis nas quais as pessoas se identificassem a partir da ascensão da ideologia de mercado. Uma ideologia completamente oca e que está de antemão condenada ao fracasso porque não pode dar de comer à maioria da humanidade e porque não pode satisfazer as necessidades da maioria da humanidade em matéria de direitos humanos, direitos trabalhistas, dignidades elementares da vida. Como é possível que se imponha isso, que soa tão estúpido, tão oco? Bom, em parte, essas perguntas desembocam na outra: por que não fomos capazes de chegar às pessoas de outra maneira? E isso tem muito a ver com a linguagem da esquerda e com as impotências de comunicação que têm sido até agora, acredito, o nosso problema principal. Essa dificuldade enorme para chegar aos demais, para que as pessoas se sintam tocadas por nós. Ao contrário desses demagogos sem-vergonhas, ocos da cabeça, que tiveram a capacidade de tocar as pessoas.

Fernando Evangelista – Para encerrar, qual a sua leitura do governo Lula?

Creio que seria uma falta de respeito eu opinar sobre o governo Lula daqui do Uruguai, ou seja, não vou vender gelo aos esquimós. Mas o que posso dizer, que se aplica ao Brasil e a todos os nossos países, e também à Frente Ampla, que muito provavelmente vai ganhar as próximas eleições aqui no Uruguai, e que se aplica aos diferentes projetos, partidos e movimentos, é uma lembrança que guardo da minha infância. É uma lembrança meio apagada, como costuma acontecer com essas lembranças de quando tínhamos 12, 13 anos. Vi um filme dos irmãos Marx. Não me lembro exatamente como era. Mas, se não estou enganado, Groucho Marx perseguia um delinquente em um trem, e o trem ia ficando sem lenha. Ele vai perseguindo o delinquente e vai colocando lenha no forno da locomotiva e, em um momento, ele vai pegar a lenha e não tem mais. Então, com um machado, ele começa a quebrar os vagões de madeira, um atrás do outro, para alimentar o forno da locomotiva. Porque o importante era chegar. O delinquente seguia correndo e ele tinha de persegui-lo. O importante era chegar, chegar ou chegar. E, ao final, a lembrança que tenho do filme é que Groucho Marx consegue chegar, mas só a locomotiva chega, porque todos os vagões haviam sido sa-cri-fi-ca-dos. Então, o trem chega, mas chega sem trem.

FONTE: Revista Caros Amigos, 14/04/2015

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