FUNCIONÁRIOS DE ESCOLA: 30 ANOS DEPOIS, MENOS DIREITOS!

POR NANDO POETA*

O ano era 1985.  Estávamos saindo de um tempo tenebroso, o regime militar. Era o primeiro ano depois da grande campanha pelas Diretas Já, que exigia o fim da Ditadura Militar e as eleições para Presidente da República. Foi nesse período que os funcionários de escolas iniciaram seu processo de organização sindical, constituindo as suas associações de classe:

“A década de 1980 foi um período de crescimento sindical combativo no Brasil. Foi nessa conjuntura que começaram a surgir as organizações sindicais de funcionários de Educação: em Brasília, o SAE/1982; em São Paulo, a AFUSE/1985; no Rio Grande do Norte, a ANSE/1985, entre outras. Em outros estados MG, MT, PA e RJ surgiram entidades unificadas que congregavam o conjunto de trabalhadores em educação desses estados. (SANTOS,1999).

A organização dos funcionários em educação deu-se em Encontros Nacionais realizados nos anos de 1987, em Campinas-SP; 1988, em Brasília-DF; e 1989, novamente em Campinas-SP. Estes dois últimos, realizados simultaneamente aos Congressos dos Professores (CPB/CNTE), possibilitaram a abertura de um debate extremamente necessário para avançarmos na estruturação do movimento sindical no setor da Educação. Em janeiro de 1988, a antiga CPB filia-se à CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. Vivíamos um debate intenso sobre a elaboração da nova Constituição. Os movimentos sociais, especialmente o sindical, pressionavam para incorporar os direitos sociais, trabalhistas e sindicais no corpo da Carta Magna. Os Servidores Públicos, que lutavam pelo direito à sindicalização, tiveram sua proposta aprovada. Agora os servidores poderiam transformar as suas associações em sindicatos.

No ano seguinte, no Congresso da Confederação dos Professores do Brasil, aprovou-se uma resolução de transformar a CPB em uma Confederação unitária dos trabalhadores da educação. Esta ideia era alimentada pela CUT, que no seu programa defendia a constituição de sindicatos por ramos de atividade. 

Com a CPB/CNTE e as resoluções aprovadas nos três Encontros Nacionais dos Funcionários de Escolas em unificar todos os segmentos da educação em uma única Confederação, como também desenvolver a unificação dos sindicatos em cada Estado da Federação, foram dados passos importantes para a concretização dessas resoluções.

“Como elemento privilegiado, foi criado o Fórum Nacional dos Trabalhadores em Educação (FNTE), proposta anteriormente aprovada no II Encontro dos Funcionários em Educação realizado em Brasília, no ano de 1988. No Congresso da CPB/CNTE em Campinas de 1989, foi referendado e aprovado como o espaço para aprofundarmos a unificação com os diversos setores da educação.” (SANTOS,1999).

Portanto o ano de 1989, após os eventos nacionais dos segmentos da educação realizados no mês de janeiro, que apontaram o caminho para avançar na unificação dos trabalhadores em educação, teve o FNTE como um polo agregador para conduzir todo o debate. Assim, também passou a definir propostas e orientações que ajudaram na consolidação da unificação dos sindicatos de trabalhadores em educação. 

Outro desafio para o FNTE foi o de preparar o congresso que consagraria a unificação dos trabalhadores em uma única Confederação. Marcou-se para janeiro de 1990, em Aracaju/SE, a realização do Congresso de Unificação. Foi nesse evento que, de fato, ocorreu a unificação, com a eleição de uma Direção Nacional com integrantes de todos os segmentos da educação básica.

No seio do movimento dos funcionários, nos Encontros Nacionais realizados, também se discutiam outras temáticas. Uma delas, que inquietava a camada de servidores administrativos lotados nas unidades escolares, era sobre sua identidade no processo educacional. Eis os questionamentos mais corriqueiros feitos nos debates: Quem somos? Também somos educadores?  As respostas a essas indagações foram necessárias para entendermos a cadeia da exploração imposta pela divisão social do trabalho. 

Esse debate possibilitou definirmos a identidade dos funcionários de escolas. Começamos a perceber que o processo de unificação dos segmentos da educação em um único sindicato não era a solução definitiva, para avançarmos na constituição de uma única categoria. Seria necessário darmos vazão a outros debates represados no chão da escola, para de fato quebramos as barreiras que atuariam fortemente para impedir uma consolidação na construção de um sindicato por ramo de atividade, em nosso caso, o da educação.

As desigualdades entre os funcionários de escolas e os demais setores da educação (professores, orientadores, supervisores etc.) eram imensas. Aqueles sentiam-se acuados dentro das unidades escolares:  muitos tinham dificuldades de se relacionar no interior da escola, eram os que recebiam os menores salários, os que tinham uma menor escolaridade, uma maior jornada de trabalho, os que sofriam mais assédio moral. E vivíamos, já naquele período, sob forte ameaça da terceirização.

Foi diante dessa realidade que iniciamos o processo de unificação, a constituição da Confederação unitária.  Agora como CNTE, a qual impulsionou os sindicatos nos Estados a encaminharem a construção dos Sindicatos de Trabalhadores em Educação.  Com exceção dos sindicatos de SP e DF, nos demais Estados, avançou-se para a formação dos sindicatos unitários.

A política de unificação foi um caminho correto para avançar no fortalecimento da categoria de trabalhadores em educação, mas diante de tamanha desigualdade, era necessária uma política transitória, que se preocupasse em responder às desigualdades existentes. Por falta dessas iniciativas, encontraram-se pedras no meio do caminho:

“O processo de unificação encaminhado nas entidades gerou problemas de extrema gravidade para os setores unificados, especialmente para os setores de menor tradição de organização e luta, como os funcionários de escola. Nos sindicatos únicos, os funcionários passaram a reagir com indiferença, o que os levava a não se sentirem parte do sindicato unificado, reduzindo sua participação nas atividades sindicais (greves, congressos, assembleias, etc.), inclusive com alguns se desfiliando do novo sindicato, abandonando efetivamente qualquer envolvimento com o conjunto dos demais trabalhadores em educação. Com uma parcela da base defendendo o retorno ao sindicato por segmento, argumentando o fato de que os sindicatos únicos secundarizavam as suas reivindicações especificas em detrimento das reivindicações dos professores”. (SANTOS,1999).

Trinta anos depois, como se encontram a organização e a garantia dos direitos dos funcionários de escola? A CNTE, logo após o processo de unificação, apresentou como saída para os funcionários de escolas a sua profissionalização.  Desenvolveu um projeto de Profissionalização dos servidores de escolas, que norteou os sindicatos em seus estados a buscarem a aplicação desse projeto nas respectivas  Secretarias Estaduais de Educação.

A direção da CNTE achava que simplesmente a formalização de um Plano de Profissionalização seria suficiente para os servidores de escolas terem o seu reconhecimento enquanto setores importantes no processo educacional. No entanto a afirmação “Funcionários de escola: também somos educadores” ficou solta pelo ar. E continuou predominando a ideia de que esses segmentos fossem simplesmente APOIO no interior das escolas, muitas vezes excluídos das decisões. E dentro dos sindicatos não foi diferente. As assembleias, as greves etc, continuaram sendo apenas reconhecidas como lutas de professores. As pautas específicas dos funcionários de escolas eram diluídas, e na mesa de negociação eram secundarizadas. 

A CNTE e os sindicatos unificados não foram capazes de enfrentar a onda de terceirização, que chegou como uma inovação necessária nas relações de trabalho, apregoada pelo neoliberalismo no início da década de 90. “Os governos, objetivando diminuir os gastos com funcionalismo, recorrem a esse mecanismo e introduzem no interior do conjunto do serviço público contratos de trabalho FLEXÍVEIS, com regime de trabalho precarizado, ou seja, funcionários não efetivos, sem estabilidade, com salários inferiores, sem terem contemplados os direitos trabalhistas com sua organização e seus direitos vulneráveis aos ataques dos governos e patrões”. (SANTOS,1999).

No Brasil no início dos anos 90, os funcionários de Escolas chegavam a 1 milhão de profissionais. Porém, com a terceirização invadindo o chão da escola, a categoria foi drasticamente reduzida. 

O setor da educação serviu de laboratório para as experiências de trabalho terceirizado. Foram os serviços das unidades escolares, como merenda escolar, limpeza, vigilância, portaria e o trabalho administrativo os primeiros a serem terceirizados. Esse processo de terceirização foi um caminho para alimentar empresas privadas com verbas públicas e, por influência de políticos, naturalizar a prática do “toma lá dá cá”, como também veio com o objetivo de fragmentar a classe trabalhadora, impondo uma divisão entre trabalhadores efetivos e terceirizados.

Dessa forma, trabalhadores efetivos foram gradativamente sendo substituídos por mão-de-obra terceirizada. As Secretarias de Educação passaram a contratar empresas particulares para assumirem as funções no interior das escolas, arregimentando trabalhadores, geralmente sem a qualificação para desempenhar as determinadas funções. Essa prática constituiu-se também numa relação de subalternidade desse exército de trabalhadores precarizados, impedindo-os de terem a sua organização para impulsionarem as lutas. A ameaça do desemprego nesse segmente é permanente.

Por que 30 anos depois continuamos com quase as mesmas demandas?

Lutamos  ainda para que os funcionários de escolas tenham seu espaço reconhecido dentro dos sindicatos unificados; que os eventos da categoria de trabalhadores em educação absorvam a pauta específica desse segmento;  que tenham formas especificas de organização  como  assembleias específicas, departamentos, pauta específica, representação nas instâncias do sindicato, na implementação dos planos de carreira, etc. 

Muitos podem afirmar que um olhar específico das demandas de um determinado segmento quebrará a unidade do sindicato unificado.  Foi esse pensamento que predominou no interior dos Sindicatos unificados e da CNTE, e foi justamente essa postura que realmente fez quebrar a unidade, fragilizando a participação dos funcionários de escolas nas lutas e eventos da categoria. A existência da indiferença com determinados segmentos, principalmente quando esses são colocados à margem, é o que faz fragilizar a organização unitária.

Nesse momento, o capitalismo acentua a exploração da classe trabalhadora, com suas políticas de reformas que retiram direitos, considerados já consagrados para aqueles que vivem do suor do seu trabalho. Esses ataques aprofundam-se agora com a pandemia do Covid-19, deixando de joelhos o mundo inteiro e revelando para o universo que o capitalismo não tem o que oferecer à maioria dos que constroem a verdadeira riqueza de um país. Nesse contexto, os funcionários de escolas sofrem implacavelmente com a redução de seus direitos, e são deles os postos de trabalhos ainda mais em precarizados.

Para fortalecer a luta dos funcionários de escolas, os sindicatos de trabalhadores em educação têm que cumprir outro papel.  Têm que se reinventar e abraçar a causa dos setores mais explorados da categoria de trabalhadores em educação, sejam eles efetivos ou terceirizados.

Os planos de carreiras, o fim do trabalho precarizado, o emprego, os salários, a previdência, são reivindicações do conjunto da classe trabalhadora. Assim, a luta em defesa da Escola Pública e Estatal é uma bandeira que deve ser fortalecida, e tem início com o fortalecimento da unidade dos trabalhadores em educação, dos demais segmentos da classe trabalhadora e da sua juventude explorada. 

Neste período da PANDEMIA, temos vários ataques nas carreiras, aumentando a precarização. Importante registrar ainda que os funcionários de escolas são os mais atingidos. Normalmente esquecidos ou invisibilizados, essa situação aumentou com o advento da EAD. Saíram forçadamente dessa condição, quando os governos os recrutaram para trabalhar na limpeza e manutenção dos prédios escolares, uma vez que as escolas foram abertas para a entrega de cestas básicas e kits de alimentação.

A situação agrava-se mais ainda nesse momento em que os governos sinalizam com o retorno às aulas presenciais. Seria importante lembrar que, agora com a PANDEMIA, foi acentuada a importância desses profissionais que fazem a higienização e alimentação nas escolas, além do seu papel educacional, mesmo assim precarizados, pois   o Estado não fornece os EPIs, e a maioria das escolas são insalubres.

Caberia finalizarmos questionando até que ponto as vidas desses profissionais, assim como dos demais trabalhadores, importam.

REFERÊNCIAS 

SANTOS, Fernando Antonio Soares dos. Funcionários da Educação: Também Somos Educadores. Natal-RN: Grafipel,1999.

SANTOS, Fernando Antonio Soares dos. Funcionários de Escola: Terceirização é uma ameaça ao trabalho. Caderno de Debates ILAESE, São Paulo, Volume 2, p.73-77, 2006.

RETRATOS DA ESCOLA. Brasília: CNTE, v.3, n.5, jul./dez. 2009.

*NANDO POETA – Sociólogo, Cordelista, Técnico Pedagógico no Núcleo Estadual de Educação em Direitos Humanos  da SEEC-RN e membro da Coordenação Nacional do ILAESE.

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