O sistema de securitização proposto na Mensagem nº 176 pode quebrar de vez o RN

POR Rivaldo Penha*

Consta do art. 1º, do Projeto de Lei Complementar encaminhado pela Mensagem nº 176 a autorização para o Poder Executivo instituir o Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa do RN – FECIDAT/RN, “com a finalidade de contribuir para o aumento da arrecadação dos seus recursos financeiros”.

A ideia do referido Fundo é deter em seus ativos todos os créditos lançados no RN, sejam tributários, ou não. Para tal, o Poder Executivo deverá ceder todo o fluxo financeiro decorrente da recuperação dos créditos inadimplidos. Porém, não extinguirá a obrigação originária que o devedor tem para com o Estado e nem retira a responsabilidade dos Órgãos de cobrança dos débitos, como a SET, por exemplo.

Pois bem. Além de se tratar de uma operação de crédito disfarçada, não permitida pela LRF, o inciso I, do art. 4º, da referida proposta autoriza esse Fundo a contratar instituição financeira com o fim de realizar operações de securitização dos seus ativos.

Ensina o saudoso professor De Plácido e Silva (2010, p. 1250) que securitização:
"É a conversão de empréstimos bancários e outros ativos [como os créditos tributários, p.ex.] em títulos para vende-los a investidores. A instituição que fez o empréstimo vende-o a uma empresa securitizadora. Com lastro nesse crédito, a securitizadora emite certificados de recebíveis imobiliários, ou simplesmente recebíveis, postos à venda para investidores."

No caso, o governo está criando uma instituição, que convencionou chamar de Fundo, com a clara finalidade de converter os créditos tributários e não tributários em títulos negociáveis entre instituições financeiras. Seria um bom negócio se as operações envolvessem apenas os créditos inscritos em dívida ativa, porquanto transferiria para as instituições interessadas todos os riscos e dificuldades de uma dívida ruim de cobrar.

Porém, não será bem assim. Conforme o art. 2º do projeto em comento todos os créditos, incluídos os bons, serão submetidos a essa operação, verbis: “todos os créditos inadimplidos inscritos ou não em dívida ativa, de natureza tributária ou não, que estejam com parcelamento em vigor ou não, ou que não estejam com exigibilidade suspensa, bem como as demais receitas decorrentes de sua atuação”.

Entende Enio Pontes Deus, coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, que a securitização é mais uma armadilha criada pelo sistema financeiro:
"Na verdade, essa operação de securitização da Dívida Ativa esconde muita coisa: apesar da propaganda de que ela iria permitir aos governos antecipar o recebimento de dívidas tributárias de difícil recuperação, ela simplesmente sequestra receitas provenientes de parcelamentos tributários com altíssima probabilidade de recebimento pelos governos. Tais recursos sequestrados são muito significativos, e são destinados para tais empresas, que emitem debêntures com juros altíssimos e garantia estatal, beneficiando o mercado financeiro. O mais grave é que, para o governo efetivar esse tipo de operação, estão sendo criadas novas “empresas estatais”, com os custos inerentes da implantação de uma instituição deste tipo, com a finalidade de emitir títulos (debêntures) com garantia pública estatal, sem registro na CVM [segundo PLS 204 em trâmite], pagando juros estratosféricos e que são vendidos ao mercado financeiro “com esforços restritos, sem transparência alguma."
_(http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2017/10/18/securitizacao-uma-armadilha-brasil/)_

Afora isso, embora o § 1º do art. 4º tente eximir o Estado de emitir garantia real aos ativos securitizados, há o risco de isso ocorrer caso haja alteração da lei complementar, de lege ferenda, de que ora tratamos, nos termos do § 6º, do art. 4º. Sem contar que em lugar algum o projeto estabelece as regras dessa securitização, como índices, percentual de deságio etc.
Como se vê, estamos diante de uma norma em branco que submete o Estado a qualquer modelo de securitização instituído conforme as normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ainda carentes de lastro legal. Mas, que não indica qual o critério de escolha, como aquele que proporcionaria maior ganho, por exemplo.

Frise-se que o TCU já suspendeu liminarmente duas autorizações emitidas pela Comissão de Valores Mobiliares (CVM) para operações envolvendo similar operação de cessão de créditos tributários para entes públicos, ao argumento de que se trata de uma operação de crédito disfarçada que visa endividar o Estado.

Para resolver essa e outras questões, atualmente tramita no Congresso Nacional os PLS 204, PLP 181 e PL 3337, todos em linguagem cifradas e de difícil interpretação, projetos esses, tendentes a dar amparo legal a esse tipo de operação, além de criar responsabilidade financeira para os entes honrarem esses títulos, caso o devedor não os honre perante as instituições.

Temos, portanto, que esse é um “excelente negócio”, porém, apenas para o mercado financeiro. De sorte que, não podemos nos permitir cair nessa “armadilha” e arcar apenas com o ônus de um tipo de operação que outrora abalou a Europa, quebrou a Grécia, e pode, definitivamente, enterrar o nosso Rio Grande do Norte.

*Rivaldo Penha é Especialista em Direito Público.

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