Quem são os tatus?

Por Revista 247, 19/01/2020

Emir Sader

Emir Sader analisa o Brasil de Jair Bolsonaro e diz que preferiram entregar o país a um aventureiro, do que conviver com um governo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda. E pergunta: “como puderam colocar o tatu lá encima, já que tatu não sobe lá sozinho?”

Quem olha para o Brasil de hoje, não consegue entender como chegamos ao que vivemos atualmente. Nove de dez ou dez de dez pessoas que expressam minimamente suas ideias, que representam gente na sociedade, criticam, de forma mais ou menos dura, o presidente que o Brasil tem hoje. As pesquisas escondem que entre os formadores de opinião a imagem do atual presidente do Brasil é péssima, rejeitada por quase todo mundo.

Quem apoia o presidente e seu governo, não costuma expressar as razões. Há os que elogiam sua política econômica – razão pela qual o empresariado e boa parte da mídia apoiam o governo -, mas não conseguem articular essa posição com sua visão mais geral do governo. Não conseguem dizer como um presidente que xinga seus adversários, que trata a mídia como adversária desqualificada, que exibe a pior imagem do Brasil no mundo, que defende os piores valores, que briga com aqueles que o apoiam, que fere toda forma de decoro que seu cargo minimamente exige –  como esse personagem pode ser responsável por uma política econômica que eles consideram favorável ao Brasil. Como uma pessoa que vários órgãos da mídia – senão todos – em seus editorais, afirmam que não tem condição de ser presidente, faz uma politica econômica que eles consideram correta, a melhor para o Brasil?

Enquanto um professor universitário, com tantos atributos que eles considerariam mais favoráveis para exercer o cargo, não foi apoiado por eles, que preferiram a essa pessoa monstruosa? Porque aquela pessoa pregava outra política econômica para o Brasil. Porque seu governo representaria a prioridade das políticas sociais, para diminuir as desigualdades no país mais desigual do continente, porque representaria garantir e estender os direitos da massa da população. Em suma, na linguagem corrente, representaria a volta de um governo do PT.

A razão fundamental pela qual tanta gente votou no atual presidente foi a hostilidade ao PT e a rejeição a um governo petista, com essas características. Preferiram entregar o país a um aventureiro, do que conviver com um governo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

Entre o atual presidente e Haddad, preferiram aquele, na hora de decidir os destinos do Brasil, sabendo quem era ele. Agora muitos dizem que se arrependem. Mas não dizem como puderam fazer aquela escolha. Como puderam colocar o tatu lá encima, já que tatu não sobe lá sozinho?

Votariam em quem, se as eleições fossem hoje? De novo em qualquer um, menos no PT? Querem o caso inexistente de alguém que defenda sua política econômica neoliberal, mas sem votos, sem apoio popular? Ou voltariam a preferir quem detem votos pelos apelos ao que de pior tem as pessoas: as discriminações, os ódios de classe, as ofensas no lugar do debate, as exclusões no lugar da convivência na diversidade?

Esse alguém não existe hoje no Brasil. Existiu com FHC, que dilapidou a possibilidade de políticas de direita com apoio popular, fazendo com que os candidatos do seu partido fossem em seguida sucessivamente derrotados por quatro vezes. E que, nas eleições de 2018, não superavam os 5% de votos.

Só restou à direita, que tem no neoliberalismo sua essência, um líder como esse, que eles rejeitam no estilo de governar, mas toleram na política econômica. A forma e o conteúdo coincidem: só mesmo um tipo desqualificado como esse pode obter apoio suficiente para se eleger, mediante tramoias e ilegalidades. Só um tipo assim conseguiu, dessa forma, impedir o governo do PT.

Quem quer restabelecer um governo democrático, legítimo, com decoro, com respeito internacional, com apoio popular, só pode encontrar essa alternativa nos governos que promoveram o crescimento econômico com democratização social, que o fizeram dentro da democracia, do respeito às diferenças, governando para todos. Os tatus são os que só atentam para seus mesquinhos interesses econômicos, os que se orientam por valores sectários, fanáticos, de ódio e de exclusão do outro. Eles, com os que agora se dizem arrependidos, colocaram o tatu lá encima. Fizeram a escolha antidemocrática, a favor dos seus interesses econômicos estreitos e dos preconceitos contra o povo e contra o PT.

Só a democracia pode tirar o tatu lá de cima e subsitui-lo por quem representa o povo, os direitos sociais, os interesses da grande maioria, o respeito pela diversidade e a imagem de um Brasil justo e soberano. 

EMIR SADER Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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