O presente, as memórias e uma espécie de diário de quem viveu aqueles dias no centro nervoso da conspiração que não prevaleceu
De LISBOA | Já se vai um ano das cenas que circularam o mundo e geram incredulidade generalizada. Brasília, a cidade projetada por Oscar Niemeyer, com sua arquitetura única (e para muitos austera e fria), ardia nas mãos de uma horda de arruaceiros golpistas que em plena era da internet e da comunicação instantânea tentou dar um golpe de Estado o transmitido em tempo real pelas redes sociais. O bolsonarismo como fenômeno político e psíquico jogava sua carta mais ousada e queria de todas as formas derrubar um presidente eleito, para perpetuar no poder um arremedo de ditador rifado nas urnas.
Na semana em que completa aniversário, os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 apresentam um saldo muito negativo para os alucinados bolsonaristas, embora muito positivo para a democracia brasileira. Assim que a poeira baixou, há um ano, mais de duas mil pessoas estavam detidas ou sendo procuradas por participarem do levante criminoso. Dias depois, os presos e os mantidos em prisão domiciliar passavam de 1.400.
Os primeiros condenados por participarem da tentativa de golpe receberam suas sentenças em setembro. Aécio Lúcio Costa Pereira e Matheus Lima de Carvalho Lázaro foram condenados a 17 anos de prisão cada um, enquanto Thiago de Assis Mathar foi sentenciado a 14 anos. O mundo caía na cabeça dos extremistas e o Supremo Tribunal Federal mostrava força como instituição e o peso da lei. Nos meses seguintes, o número de condenados subiu para 30 e a cifra dos que seguiam presos estacionou em 66, muitos em caráter preventivo. A face da reação ao golpismo tinha rosto e nome: Alexandre de Moraes.
O problema é que nesse um ano que se passou, a vergonha da canalhada arrefeceu e o buraco onde o avestruz enfiou a cabeça foi sendo tapado aos poucos. O abjeto movimento autoritário e com desígnios ditatoriais voltou a ganhar força e os medalhões que incentivaram a intentona criaram uma mirabolante “narrativa”, como gostam de dizer, para legitimar o ilegitimável e fazer do triste e revoltante episódio histórico uma bandeira. Cínica, é verdade, mas uma bandeira a se defender com unhas e dentes.
O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente da República de Jair Bolsonaro (PL), no auge da desfaçatez, propôs um projeto de lei para dar anistia aos golpistas sedentos por sangue. A iniciativa tenta tergiversar, dizer que quem cometeu “atos graves” deve ser punido, mas que “os patriotas” que foram para a sublevação fascista deveriam ser perdoados, como se tal ação não fosse também um “ato grave”.
Quem embarcou de carona na grita por impunidade foi o tabloide “O Estado de S. Paulo”. Reclamando da “demora” processual no caso do inquérito das fake news, aproveitou para deixar a porta aberta e sugerir uma anistia para quem tentou eliminar fisicamente o presidente Lula. O antipetismo disfarçado é mais revelador do que o aberto em certas situações. Nada de novo no front, se levarmos em consideração o modus operandi conhecidíssimo da moribunda publicação.
O fato é que as instituições que em diversas ocasiões deixaram o Brasil de mãos abanando, desta vez, resolveram agir. Instadas a estancar a canalha golpista, assim têm feito, em que pese o fato de Bolsonaro ainda não ter entrado na alça de mira da Justiça por seu papel central na patifaria protagonizada por seus súditos. A Fórum, o primeiro veículo do país a revelar o envolvimento do governo Bolsonaro na sequência de atos golpistas, alimentados e engendrados por seu funesto Gabinete de Segurança Institucional (GSI), segue firme na tarefa de denunciar a conspiração. Também fomos os únicos a transmitir imagens em tempo real de dentro do Palácio do Planalto invadido pela súcia destrambelhada. A história saberá reconhecer quem esteve de que lado, dando-nos segurança para afirmar que o tempo todo estivemos ombro a ombro com a democracia.
Dentro disso, a produção da série documental “Ato 18”, da Fórum Filmes, que já lançou dois episódios, jogou luz nas faces ocultas da dinâmica golpista que se iniciou ainda em dezembro de 2022. Como forma de encerramos nossa participação como testemunhas da história, aguardamos agora a conclusão do último episódio, que como diz seu título mostrará o contragolpe.
É assim que temos nos pautado, pelo registro dos fatos, pela busca da verdade e, sobretudo, pela prevalência da lei e do estado democrático de direito. Seguiremos neste 2024, se preciso for, mostrando tudo aquilo que foi exposto em 2023 e que começou a ser entendido pelo Brasil, ainda em 2022, pelas nossas reportagens. É preciso gritar alto contra a anistia e a impunidade, para que o passado não se repita em qualquer um dos dias de nosso futuro.
Por / Revista Fórum