PODER PÚBLICO É MAIOR ALVO DE DENÚNCIAS SOBRE VIOLAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA CAPITAL POTIGUAR Republico matéria do jornal Diário de Natal, Cidades, 16/05/2010
Andrielle Mendes // Especial para o Diário de Natal
Enquanto no país inteiro, mães e pais são os maiores violadores de direitos das crianças e adolescentes, em Natal, o maior violador é o próprio poder público. Na capital potiguar, boa parte das denúncias registradas em 2010 são contra o governo do estado e a prefeitura do Natal, que não têm garantido o direito das crianças e adolescentes à educação e à saúde. Não há vagas nas escolas e quando há, faltam professores e até cadeiras. Também não há médicos em todas as unidades de saúde.
Deficiência nos serviços de educação e saúde estão entre as principais reclamações
Foto:Fábio Cortez/DN/D.A Press
Os números nacionais mostram bem essa diferença. De acordo com o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), denúncias contra mães representam 25% do total e as violações cometidas por pais alcançam 22% em todo o país. Mesmo com percentual muito inferior a 40%, eles são considerados os maiores violadores de direitos desde que o sistema foi implementado – em 1997. Em Natal, a lógica se inverte e traz um dado inusitado. Quem deveria garantir os direitos básicos previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (Eca) é justamente quem dificulta o acesso, jogando crianças e adolescentes para a margem.
Um levantamento realizado pelos quatro Conselhos Tutelares de Natal apontou a problemática. A partir de janeiro de 2010, vários pais e mães começaram procurar os orgãos para denunciar as violações cometidas pelo Estado. Do total de 450 famílias que procuraram o Conselho Tutelar da Zona Sul em 2010, cerca de 400 foram denunciar a falta de vagas nas escolas, representando 89% do total. O percentual de violações cometidas pelo poder público registrado no Conselho Tutelar da Zona Leste ficou em torno de 48%. Do total de 964 famílias que foram atendidas pela primeira vez no órgão, 462 denunciaram violações aos direitos à educação e saúde. No conselho da Zona Oeste, do total de 2.309 famílias que procuraram o conselho, cerca de 1 mil denunciaram a falta de vagas em escolas, alcançando 43% do total. O Conselho Tutelar da Zona Norte foi o que menos registrou denúncias contra o poderpúblico, transformando-se em exceção à regra. Do total de sete mil famílias atendidas no órgão, apenas 400 foram denunciar a falta de vagas em escolas da rede pública, representando apenas 6% da demanda total.
Falta de professores retrata situação
A dona de casa Verônica Félix da Silva, 30, foi uma das mães que procuraram um dos conselhos na última semana. Ela denunciou a falta de professores na Escola Estadual Alfredo Pegado, localizada no bairro de Mãe Luiza, na Zona Leste de Natal. As aulas deveriam ter começado ainda em fevereiro, mas devido ao déficit de profissionais começaram apenas na última semana de abril. Enquanto isso, seu filho Nicolas, 7, esperava ansioso o dia em que finalmente escreveria no caderno guardado há vários meses. O medo de Verônica era que o atraso na volta às aulas retardasse o aprendizado do filho, que ainda não sabe ler. “Ele já é um pouco lento na aprendizagem e sem está estudando, pronto. Piorou tudo”, explica.
Na ausência de professores na sala de aula, o menino pediu auxílio à mãe. ” Não tenho paciência de ensinar. Às vezes, ele olha para mim e diz ‘mãe, eu acho que sou burro’. Ouvir isso me dói. Acho que se as aulas tivessem começado no início do ano, ele já poderia ter aprendido a ler”. Verônica se diz cansada de tanto descaso. “Fui no Conselho ver se eu conseguia alguma ajuda, porque estou achando isso demais. Sempre ligava para a escola e diziam que não tinha previsão para as aulas começarem”.
O filho de Verônica cresce num dos bairros mais violentos da capital, onde o tráfico de drogas tem se fortalecido nos últimos anos. Sem aulas, o destino mais provável seria as ruas, onde a droga é oferecida em vários becos. Os conselheiros sabem que quando as portas da educação e da saúde se fecham, a porta para violações ainda mais graves é aberta.
Sistema de informações foi desativado
A desativação do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia), ferramenta usada em todo o Brasil para avaliar as violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é considerada mais um reflexo da falta de atenção e de investimento do poder público. O Sipia foi criado em 1997 e tinha como objetivo fornecer informações para a elaboração de um diagnóstico preciso das violações ao Eca em todo o Brasil. Ao longo dos anos, o sistema passou por inúmeros aperfeiçoamentos. Antes, era um programa instalado em computadores nos conselhos tutelares espalhados pelo Brasil. Hoje, é um portal onde as informações são fornecidas instantaneamente pelos conselheiros.
Na última semana, representantes da Secretaria Nacional de Direitos Humanos estiveram em Natal para checar como o sistema estava sendo utilizado e tiveram uma surpresa. O Sipia foi desativado há três anos no RN por falta de pessoal qualificado. De acordo com o conselheiro tutelar da Zona Leste, Francisco Gomes, o sistema funcionou apenas entre2004 e 2007. Desde então, não foi mais atualizado. Os dados que dão conta do número e tipo de violações dos direitos das crianças e adolescentes no RN ou estão defasados ou escondidos em pilhas de papéis espalhados pelos conselhos, o que dificulta a elaboração de um diagnóstico preciso das violações ao Eca no estado. “Se o Sipia ainda funcionasse, a Secretaria Municipal de Educação, por exemplo, teria que fechar devido ao grande número de denúncias registradas por pais que se sentem prejudicados com a falta de vagas, professores e até de cadeiras”, resume Francisco Gomes.
Reunião
Na tentativa de reparar os danos, membros do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Consec) se reuniram com os conselheiros tutelares de Natal ainda na semana passada para retomar o uso do sistema de informações o mais rápido possível.

