Corte etário deve respeitar a criança, afirma promotor

Da Redação

“Temos que desfazer a ideia de que a criança perde se ficar mais um ano na Pré-Escola”, diz

João Bittar/MEC

Mariana Mandelli – Do Todos Pela Educação

O início da vida escolar tem sido sinônimo de confusão para muitos pais quanto à idade certa para as crianças ingressarem no Ensino Fundamental. As dúvidas geram, todos os anos, uma série de processos de famílias contra escolas e redes de ensino na Justiça. O principal argumento delas é que as regras impostas pelos conselhos municipais e estaduais de Educação violam o princípio constitucional de igualdade.

Um resolução de 2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE) entende que somente crianças com 6 anos completos até o dia 31 de março devem ingressar nessa etapa de ensino – que, desde 2006 e com prazo para a implantação até 2010, passou a ter nove anos de duração. No entanto, muitas redes estaduais e municipais não seguem a orientação e adotam suas próprias datas. Outra resolução do conselho, do mesmo ano, afirma que, para o ingresso na Pré-Escola, a criança deve ter completado 4 anos até o dia 31 de março do ano que ocorrer a matrícula.

Para esclarecer algumas dúvidas sobre o assunto, o Todos Pela Educação conversou com o promotor João Paulo Faustinoni e Silva, que integra o Grupo Especial de Educação do (Geduc) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Ele é autor do artigo “Corte etário – Em Defesa da Infância e da Educação Infantil”, no qual analisa a legislação e os documentos disponíveis sobre o tema. A íntegra do texto pode ser conferida aqui (http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/artigo_corte_etario.doc).

Faustinoni e Silva defende que o ingresso precoce no Ensino Fundamental viola direitos fundamentais das crianças pequenas e desrespeita critérios etários estabelecidos na Constituição. Leia abaixo trechos da entrevista:

Todos Pela Educação – O sr. é a favor do corte etário?
João Paulo Faustinoni e Silva – Com o nosso sistema multisseriado e da maneira como a legislação que regula o ingresso em cada uma das etapas de ensino está posta hoje, o corte etário é a melhor solução. Ele é necessário para preservar a infância da criança e ajudar no planejamento da estrutura física das escolas e da preparação dos professores.

TPE – O que o sr. pensa da legislação brasileira existente sobre o corte etário?
Silva – O ideal é que nós tivéssemos uma lei nacional sobre isso. Mesmo assim, eu não sei se resolveria a polêmica. Hoje, essa variedade de resoluções – a falta de uma única norma – favorece o litígio. O Brasil tem um muito fluxo de alunos e necessita de uma organização nacional mais unificada. Se houvesse uma lei, a situação melhoraria.

TPE – As resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) não são suficientes?
Silva – Elas levantam ainda muitos questionamentos. A própria Constituição, por exemplo, também dá margem para questionamentos, quando afirma que a criança com até 5 anos completos tem que estar na Pré-escola. Então a criança que tem 5 anos e um dia já pode ingressar no Ensino Fundamental? A meu ver, não: a criança deve estar na Pré-escola com 5 anos completos e ao longo desse ano em que ela completa esta idade. Mas existe essa abertura para essas interpretações .

TPE – Uma lei nacional mudaria isso?
Silva – A lei seria positiva para diminuir essa litigiosidade. Em outros países, o corte etário também existe – é o caso do Japão, Canadá e Estados Unidos. A maior parte dos sistemas também adota a idade de 6 anos. A tendência, no exterior, é que a data seja no início do ano letivo deles, entre agosto e novembro. Ou seja, a lei deve levar em conta a realidade do país em que está inserida. No Caso do Brasil, devemos considerar, por exemplo, a movimentação de crianças entre os Estados, que é uma realidade. E cada um adota um corte etário diferente.

TPE – Como uma data nacional para o corte etário deveria ser discutida?
Silva – Essa data deveria ser debatida com as famílias, envolvendo poder público e especialistas de saúde, educação e de cuidados específicos da primeira infância. Os próprios promotores e defensores deveriam ter contato com especialistas de neurociência, psicologia e pedagogia, para compreender melhor a questão. Temos que verificar se é um projeto consensual que atenda aos interesses da criança. No entanto, no estágio em que nos encontramos, não há consenso e parece que será difícil chegarmos nele. Acho que hoje existem duas possibilidades neste tema: a discussão de uma lei nacional ou o debate no Supremo Tribunal federal (STF), já que, mesmo que de forma lenta, fatalmente essas ações regionais chegarão lá.

TPE – O que o sr. acha do argumento de algumas famílias, que afirmam que a regra separa as crianças umas das outras?
Silva – Se a regra do ingresso fosse respeitada desde a Pré-escola, o trauma de separar as crianças dos amiguinhos seria diminuído, já que elas cursariam as séries juntas ano a ano. Mas também temos que desfazer essa ideia de que a criança perde se ficar mais um ano na Pré-Escola. Ela não perde, ela ganha mais um ano de brincadeiras lúdicas que vão desenvolvê-la.

É claro que cada indivíduo é único, mas, quando se planeja uma política pública, o ideal é que ela atenda a maioria da melhor forma possível. Temos que pensar no que queremos adiantando a uma criança de série. Hoje tem pai querendo já colocar o filho de 3 anos na Pré-Escola, usando os mesmos argumentos de que não pode separá-lo dos amiguinhos.

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