Economia e Desenvolvimento

POUPEM-NOS
Republico matéria do Blog do Zé, 27/07/2010

Fernando Nogueira da Costa

Economistas não respondem às perguntas porque sabem qual é a resposta. Eles respondem porque são perguntados. Esperamos ser poupados de ouvir respostas sobre o que tem sido chamado, convencionalmente, de “lição de casa”. Esse “dever” que dá crédito e tem a “haver” muito com economista conservador…

Já tivemos “oportunidade” de receber notáveis midiocratas estrangeiros que acabaram se envolvendo em polêmicas com sensíveis membros da equipe econômica governamental a respeito da melhor maneira de conduzir nossos negócios. Fustigados a opinar sobre “O Real”, muitas vezes deitaram falação sobre algo que, absolutamente, desconhecem: “A Real Idade da Economia Brasileira”.

Quando isso não ocorreu, eles disseram apenas generalidades que cabem em qualquer tempo e lugar: palavras simples para situações complexas. O mote “combater o déficit público”, por exemplo, é fácil de repetir, mas difícil de executar com três poderes independentes e governo federativo. Ele se transformou, atualmente, na ladainha “aumentar a taxa de poupança do setor público”. Poupança interna é vista como o contraponto da poupança externa: argh! A dedução lógica em termos de política econômica – elevar taxa de juros, cortar gastos públicos (só restam os sociais) e privados – acaba resultando na redução do produto, do emprego e… da própria poupança interna! Aumento da carga tributária ninguém quer e os economistas não ousam falar nisso diretamente. Poupem-nos.

Qual é a relevância acadêmica de qualquer nova idéia? É a auto-subversão das próprias idéias, a la Hirschman: questionar, modificar, qualificar e, de modo geral, complicar algumas das proposições anteriores a respeito de determinado tema. É muito incomum alguém desenvolver esse tipo de reação com respeito às próprias generalizações ou concepções teóricas. Na verdade, ninguém cancela ou refuta suas descobertas anteriores. Isso propiciaria a definição de espaços do mundo real onde as relações originalmente postuladas deixaram de ter validade. Não se trata, simplesmente, de fazer autocrítica de algum erro de análise anterior, que exige retratação, mas sim do mérito de expor novas complexidades, para sua análise. Este intelectual passaria então a ter novas inter-relações e complexidades para explorar, desenvolvendo algo novo. Como dizia Albert Hirschman, em livro publicado em 1996, “a auto-subversão é o principal meio de auto-renovação”.

É bem verdade que muitos autores midiáticos pecam ainda por arrogância e lugar comum, quando afirmam: “pode-se dizer com segurança que ninguém antecipou nada como o que ocorreu na atual crise”. Qualquer leitor de fora do mainstream, isto é, fora da corrente principal entre os economistas, poderia dizer que ele está fazendo a descoberta do óbvio. Quem lê e escuta sempre os mesmos autores, em processo de “validação ilusória” de suas idéias, acaba por sofrer certo retardamento em perceber as mudanças. Quando as percebe, crê ter feito alguma descoberta. Mas é a descoberta do óbvio, ou seja, redescoberta de coisas que heterodoxos conheciam há muito tempo e pasmavam-se por ortodoxos não as saberem. O leitor pluralista tem certa dose de razão ao sugerir que muitos midiáticos apenas dão nova roupagem retórica às velhas idéias da economia política, quando resolvem fazer análise das novas instituições. Eles tinham de respeitar mais os “velhos” autores considerados antes “marginais” ou “malditos”.

Até que ponto a interpretação, apresentada por eles, a respeito da geração da atual crise distingue-se da encontrada em modelos apoiados na teoria convencional? Na “primeira geração” dos modelos canônicos de crise, certo governo com persistente financiamento monetário de déficit fiscal assume usar o limitado estoque de reservas para fixar sua taxa de câmbio; tal política é, logicamente, incapaz de ser sustentada. As tentativas dos investidores em antecipar o inevitável colapso geram ataque especulativo sobre a moeda, quando as reservas caem a algum nível crítico.

Nos modelos de “segunda geração”, elaborados em meados dos anos 90, a política é menos mecânica: certo governo escolhe se defenderá ou não a taxa de câmbio fixa, fazendo escolha entre a flexibilidade macroeconômica em curto prazo e a credibilidade em longo prazo. A lógica da crise, então, surge do fato que a defesa da paridade é mais custosa, isto é, requer taxa de juros mais elevada, se o mercado acreditar que a defesa, afinal, falhará. Como resultado, ataque especulativo sobre o câmbio pode se desenvolver seja como efeito da previsível deterioração dos fundamentos, seja puramente por profecia auto-realizável.

Na abordagem heterodoxa, a crise cambial é somente parte de crise financeira mais ampla, que tem pouco a ver com questões propriamente monetárias, relacionadas aos tradicionais temas fiscais da visão neo-liberal. Em outras palavras, a crise não será vista como problema provocado por déficits fiscais (tal como nos modelos de 1ª geração), nem como provocado por política macroeconômica (tal como nos modelos de 2ª geração), mas sim como provocado por excesso de crédito e, então, por colapso financeiro. Assim, em primeira aproximação, moeda e taxa de câmbio podem ter pouco a ver com ela. A crise se relaciona, realmente, com alguma bolha especulativa e subseqüente colapso dos valores dos ativos em geral, sendo a crise cambial mais sintoma do que causa. A proliferação de crédito farto e barato, dirigido a aparente “risco garantido” (moral hazard), cria inflação nos preços de ativos de risco. Até que a bolha explode…

Seria fútil procurar interpretação da crise globalmente válida. A experiência histórica e de outros países nos fornece pistas e descobertas ocasionais, mas elas são diferentes para economias distintas e para a mesma economia em épocas diversas. Por exemplo, se falar em “inflação de crédito”, no caso brasileiro, mostrará desconhecimento de causa. A alavancagem financeira, nos bancos privados brasileiros, é extremamente baixa. Poupem-nos dessa…

Fernando Nogueira da Costa é professor Associado do IE-UNICAMP. Foi Vice-Presidente da Caixa Econômica Federal de 2003 a 2007.

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