POR Tribuna do Norte, 04/04/2020
Margareth Grilo/Editora Executiva
Neurocientista e um dos coordenadores do Comitê Científico Covid-19 Nordeste, Miguel Nicolelis
Na semana passada o Consórcio Nordeste lançou o Comitê Científico Covid-19 para acompanhar a situação da pandemia de coronavírus. Coordenando o comitê, o neurocientista Miguel Nicolelis alerta que, no momento, “a pobreza de dados é dramática e há “uma subnotificação muito grande”, no Brasil, em relação à situação epidemiológica do novo coronavírus. A intenção do comitê, explica o cientista, é formar “um exercito cientifico para ajudar nessa batalha” e “levantar todas as informações, todos os dados possíveis e fazer uma série de sugestões e propostas para que os governadores possam subsidiar suas decisões com ênfase científica.” Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE, Nicolelis explicou como funcionará o comitê e disse que o objetivo primário é tentar reduzir e espalhar os casos ao máximo ao longo do tempo. Confira.
Qual o objetivo desse Comitê Científico Covid-19 no Nordeste que o senhor coordena?
Essa comissão é coordenada por mim e pelo ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, de Pernambuco, e o objetivo é subsidiar o Consórcio Nordeste, os governadores do Nordeste, nos recursos que são necessários para que eles possam tomar as melhores medidas possíveis para reduzir os impactos dessa pandemia.
Na prática, como funcionará?
O comitê começou a se reunir há dois dias atrás (quarta-feira) e a primeira reunião com os governadores ontem (quinta-feira) e estamos nos organizando em grupos de trabalho nas áreas essenciais que foram identificadas no combate à pandemia. Grupos que vão discutir questões relativas aos testes, às proteções dos profissionais de saúde, às necessidades de equipamentos como ventiladores, como comunicar para a população as medidas que têm que ser usadas em apoio ao distanciamento social. Estamos recrutando colaboradores da comunidade científica e médica, e de engenharia e tecnologia, tanto do Nordeste, quanto do restante do Brasil, para nos ajudar a levantar todas as informações, todos os dados e fazer uma série de sugestões e propostas para que os governadores possam subsidiar suas decisões com ênfase científica.
Como será o fluxo de trabalho e de orientação aos governos?
Temos reuniões virtuais diárias da comissão e vamos ter reuniões periódicas com governadores e estamos dividindo as tarefas entre grupos de trabalho que vão se reunir continuamente e reportar aos coordenadores da comissão para que a gente possa ter um fluxo continuo de comunicação com os governadores, e com a população.
Qual o desafio maior que o senhor vê nesse trabalho?
O desafio maior é no meio dessa crise encontrar uma combinação de propostas que reduza significativamente o número de pessoas contagiadas e o número de fatalidades porque mesmo em países europeus como Itália, França, Espanha e, agora, Estados Unidos, a letalidade é bem alta, e a contaminação também já é bem alta. Então estamos compilando um multitude de informações e descobertas que estão aparecendo diariamente par a tentar oferecer aos governadores propostas de soluções, levando em conta todos os desafios, que é falta de insumos, de matéria-prima, falta de linhas de produção para alternativas dos ventiladores que sumiram do mercado nesse momento e não tem como comprar. Não tem uma única área de atuação, são múltiplas. Tem que atuar na criação de modelos epidemiológicos para você prevê a evolução da epidemia, você tem que monitorar. O Estado da Bahia já tem um aplicativo que permite às pessoas das suas casas relatar os sintomas que elas estão experimentando e essa fonte de dados vai ser, na ausência de testes em grande quantidade, nossa melhor fonte de informação para mapear em tempo real onde estão os focos de infecção no Nordeste e ajudar a direcionar os recursos humanos, os insumos e essas pessoas para as instituições de saúde mais próximas. Ou seja, criar toda uma rotina que otimize o uso dos recursos que são escassos nesse momento.
Tem que conhecer a realidade para focar as políticas públicas…
Isso. Não tem outro jeito. Você tem que coletar dados. Estamos com uma pobreza de dados dramática, uma subnotificação muito grande, e dessa forma nenhum cientista pode trabalhar. Nós temos profissionais altamente gabaritados, tanto no Nordeste, como Brasil, eles estão prontos, e já estão atuando em várias áreas, como na Fiocruz, uma das grandes instituições brasileiras. Ela já está ativamente trabalhando em grupos de trabalho, e nós vamos nos associar a eles e compartilhar recursos, pessoal e ideias, e formar uma barreira científica, um exercito cientifico para ajudar nessa batalha.
Esse aplicativo de monitoramento será específico para a Bahia?
Não ele foi desenhado, pode ser aplicado em qualquer lugar. Nossa ideia é que ele seja melhorado com contribuições de outros estados, inclusive, do Rio Grande do Norte, para ser algo homogeneizado, que possa ser distribuído por todo Nordeste e, eventualmente, possa ser usado em outras regiões do País, que quiserem. Uma parte dele já estava praticamente pronta, o sistema de coleta individual por telefone, e agora nós começamos a colaborar com pessoal do Rio Grande do Norte, do Ceará, da Paraíba, para nos ajudar na visualização e na análise desses dados.
A integração será uma arma fundamental…
Exatamente, por isso, criamos uma sala de situação no governo da Bahia, em Salvador, onde esses dados vão ser centralizados de tal maneira que a gente possa criar boletins periódicos da situação do Nordeste, evolução dos casos, onde estão os focos principais, tudo isso para municiar os governadores em tudo aquilo que eles precisam para tomar as decisões que são fundamentais e que têm que ser tomadas daqui pra frente com uma rapidez muito grande.
Qual a composição desse comitê?
Está muito fluído. Nós começamos com representantes de todos os estados, pelo menos, um representante de cada estado. São 13 pessoas, mas estamos criando subgrupos e comitês que vão envolver um grande número de pessoas e está sendo feito tudo nesse momento. Então, vamos ter um grupo muito grande de pessoas trabalhando em questões específicas. E, nesse momento, é preciso monitorar, medir, precisa ter uma dimensão da evolução, precisa ter prognósticos, previsões, e você precisa poder olhar para esses dados e tomar decisões antes da escalada dos casos.
Como o senhor analisa as ações de enfrentamento adotadas, primeiro no mundo, e depois no Brasil?
Do ponto de vista mundial, talvez seja a maior batalha científica da nossa geração. Quase com certeza. Eu não consigo lembrar de um evento na minha vida – eu tenho 59 anos – que requeresse um esforço coletivo da ciência mundial de tal magnitude. No Brasil, de um lado, ele reforça a necessidade de investimentos na ciência, de ter uma estrutura científica e de saúde pública num país como o Brasil. Talvez a grande arma logística estratégica que o Brasil tem nesse momento é a existência do Sistema Único de Saúde, se não tivêssemos o SUS nesse momento nós estaríamos num situação desesperadora, como os Estados Unidos está nesse momento, sem um sistema público de saúde. Por outro lado, uma vez que a ciência tem sido depauperada de recursos, o setor de saúde e as universidades também, é um momento muito difícil. É o maior desafio da ciência brasileira, sem dúvida nenhuma, em décadas, e que precisa ser visto e tratado como operação de guerra, por isso, criamos uma sala de situação e estamos imprimindo uma visão de que isso aqui é uma batalha.
O senhor vê falhas no enfrentamento, no Mundo e no Brasil?
Em nível mundial, a gente vê exemplos da Itália, que acordou muito tarde, da Espanha, França e o próprio Estados Unidos. O Brasil, talvez seja o que, hoje em no mundo, do ponto de vista federal, tenha a maior falha de coordenação, maior falta de sintonia porque não existe uma mensagem homogênea, um comando claro. E essa ambiguidade do governo federal está gerando muitos problemas, mas agora o que a gente pode fazer é tentar mitigar, reduzir os efeitos coordenando o que é possível e eu espero que esse esforço do Consórcio Nordeste se espalhe, que ele possa agregar. Estamos abertos à colaboração, do ponto de vista científico, e fazendo contato com outros países rapidamente.
Importante focar nas faixas etárias
Há poucos dias, uma manchete em um grande jornal daqui de São Paulo dizia que, nos dados de São Paulo, 50% das internações eram abaixo de 60 anos. O perfil parece estar diferente, apesar que com os dados do Brasil é difícil falar qualquer coisa porque existe uma subnotificação muito grande, mas parecem ser diferentes do perfil Itália. Mas isso não posso falar categoricamente porque não foi feita essa comparação e os dados não o permitem ainda. Por isso, temos que ter gente trabalhando em tempo integral.
De que forma o Instituto Santos Dumond pode ajudar no RN?
Imediatamente, quando começamos a ver a gravidade, começamos há duas semanas, quase três, a conversão do Anita Garibaldi, nos nossos centros de pesquisa, numa unidade de suporte a UPA de Macaíba, para receber os pacientes que precisam ser examinados, de um cuidado mais próximo, mas que não precisam de uma UTI, e já oferecemos a governadora as nossas dependência, e em comum acordo com o reitor da UFRN, oferecemos o prédio do campus, que originalmente seria destinado à escola, e que voltou para a UFRN mas que está lá parado, no total seria 32 mil metros quadrados, para o Governo do Estado, caso haja necessidade de mais hospitais de campanha, na região metropolitana de Natal. Então, estamos fazendo tudo que é possível, bem antes das coisas ficarem mais graves aqui no Brasil.
O senhor acredita na possibilidade de achatar a curva antes do pico?
Essa é a razão pela qual dos governadores do Nordeste e o comitê se manifestaram unanimemente, a favor do distanciamento social na tentativa de reduzir o influxo de casos para não criar uma situação de colapso no sistema de saúde público. Então a gente não tem os dados ainda para saber os efeitos, aqui em São Paulo surgiram rumores de que o distanciamento está ajudando, mas ainda não tenho os dados, mas esse é o nosso objetivo primário, tentar reduzir e espalhar os casos ao máximo ao longo do tempo.